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Como o lobby do petróleo pode ter feito Trump focar sanções em Maduro, e não na Venezuela

27.jul.2017 - Pedestres passam por posto da PDVSA em Caracas, na Venezuela - Andres Martinez Casares/Reuters
27.jul.2017 - Pedestres passam por posto da PDVSA em Caracas, na Venezuela Imagem: Andres Martinez Casares/Reuters

Ricardo Senra

Da BBC Brasil em Washington

01/08/2017 19h07

Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira uma série de bloqueios contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, acusado de instalar uma ditadura no país após a eleição de uma Assembleia Constituinte que terá mais poderes do que o Congresso - atual opositor ferrenho do líder bolivariano.

Pouco comum, a decisão chama atenção por mirar na pessoa física de Maduro, e não no Estado venezuelano ou em suas empresas, que fornecem 10% do petróleo importado pelos Estados Unidos.

Além do presidente do país sul-americano, apenas três chefes de Estado são alvo de sanções individuais dos EUA: Robert Mugabe, do Zimbábue, Kim Jong-un, da Coreia do Norte, e Bashar al-Assad, da Síria - um "clube exclusivo", conforme definiu HR McMaster, conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, em entrevista à imprensa na Casa Branca.

De um lado, o governo americano justifica a decisão argumentando que Maduro seria responsável por uma ruptura constitucional e democrática. "Ao sancionar Maduro, os EUA deixam clara nossa oposição às políticas do regime e nosso apoio ao povo da Venezuela, que busca o retorno de seu país a uma democracia plena e próspera", disse o Secretário do Tesouro, Steven T. Mnuchin.

De outro, críticos argumentam que a medida tentaria acelerar a ascensão de um governo mais próximo a interesses americanos, revelando uma postura "seletiva" da gestão de Donald Trump. Parceiro dos EUA, o presidente turco Recep Erdogan, por exemplo, também ampliou seus poderes com mudanças na Constituição, mas ganhou um telefonema de parabéns do presidente americano, em abril, em vez de sanções.

A decisão desta segunda-feira congela todos os ativos da Maduro em território americano e impede qualquer cidadão ou empresa dos EUA de negociar com ele, e vem na sequência de uma série de sanções dos americanos contra apoiadores do regime venezuelano nos últimos meses.

Questionado, entretanto, o governo não responde qual seria o patrimônio do presidente venezuelano nos EUA e que negócios ele teria pessoalmente com o país.

Xadrez

Mas por que os Estados Unidos decidiram se focar nos investimentos e negócios pessoais do presidente venezuelano?

Para especialistas consultados pela BBC Brasil, as respostas passam pelo lobby da indústria americana do petróleo, que não quer ver preços mais altos nos postos de gasolina, por possíveis críticas internacionais a sanções mais drásticas contra o país e pela possibilidade de um eventual fortalecimento de Maduro - que poderia reagir a bloqueios contra a Venezuela com novas medidas radicais ou autoritárias.

O xadrez geopolítico inclui ainda o risco de aprofundamento da crise humanitária no país sul-americano - que já sofre com desabastecimento, escassez de alimentos e uma escalada sem precedentes de violência que deixou pelo menos dez mortos durante protestos no último fim de semana.

"O foco na pessoa física de Maduro serve para mostrar que os EUA estão fazendo algo. Isso trará algum efeito prático? Minha resposta é não", avalia Richard Nephew, pesquisador sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, nos EUA.

"Neste momento, é difícil ver como pressões econômicas individuais podem mudar a postura de Maduro. Ele viu vários aliados tendo seus investimentos congelados nos Estados Unidos nos últimos meses. Se ele manteve negócios por aqui, isso seria no mínimo inocente - e não acho que este seja o caso."

Na última quarta-feira, 13 pessoas ligadas ao governo venezuelano tiveram contas bancárias, negócios e imóveis congelados por apoiarem a convocação da Assembleia Constituinte no país.
Eric Farnsworth, vice-presidente do think tank Council of the Americas, de Washington, discorda e afirma que a medida se concentra "no responsável" pela crise venezuelana.

"Os EUA estão conscientes de que as medidas podem ser um meio de incentivar o governo Maduro a mudar sua direção, restaurar as liberdades civis e retornar a um caminho democrático", afirmou à BBC Brasil.

"Não há vontade pelo governo americano de tomar medidas que prejudiquem os venezuelanos, que já sofreram significativamente. As sanções atuais e futuras buscarão esse equilíbrio, visando os mais responsáveis pela condição atual da Venezuela", completou.

Junto a uma profunda crise econômica fruto da queda dos preços do petróleo no exterior, a Venezuela registra os maiores índices de inflação do mundo - o que dificulta o acesso de boa parte da população a alimentos.

Rússia e Irã

Para Richard Nephew, do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, sanções contra as exportações de petróleo venezuelano poderiam influenciar os preços dos barris no mercado internacional - trazendo como efeito colateral um fortalecimento de produtores rivais dos EUA, como Rússia e Irã.

"Isso teria impacto nos consumidores diretamente e também em produtores, um direto impacto nos preços. Eventuais sanções de exportações da Venezuela para o resto do mundo, como já fizemos com o Irã, exigiram gerar conversas difíceis com China, Rússia e outros países, e não acho que o presidente queira enfrentar isso", afirmou à BBC Brasil.

"A escolha por sancionar Maduro e não o país passa por questões importantes política e economicamente. Mesmo que se possa dizer que Maduro foi longe demais e houvesse apoio a isso, a ideia de os EUA permitirem bloqueios contra um país latino-americano seria um problema geopolítico."

Para o especialista, a melhor saída para os Estados Unidos se posicionarem em relação à crise política e humanitária na Venezuela seria investir em apoio a população venezuelana.

"É importante que tenhamos uma posição. A melhor seria ajudar a população da Venezuela. Precisamos oferecer ajuda humanitária. Após anos de chavismo e muitas críticas do país contra os EUA, haveria muito valor em tentar apoiar a população não com sanções, mas com apoio, oferta de alimentos e produtos em escassez", avaliou.

Diplomacia

O secretário do Tesouro, Steven T. Mnuchin, afirmou nesta segunda-feira que os EUA não descartam outras medidas para "restaurar a democracia" no país sul-americano, em referência à indústria de petróleo venezuelana.

Na opinião de Ben Raderstorf, pesquisador do think tank Inter-American, eventuais bloqueios contra as exportações de petróleo da Venezuela não seriam possíveis sem impactos diretos sobre a população do país.

"A escolha por mirar Maduro e outras autoridades venezuelanas é uma tentativa de pressionar o governo sem afetar a população neste processo", afirmou.

"Sancionar as exportações de petróleo seria um sério golpe na principal fonte de recursos do país, fundamental para importações de comida para este país que já sofre por problemas de desnutrição", avaliou.

Para Mark Schneider, conselheiro sênior do CSIS (Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, na sigla em inglês), o foco em Maduro seria um primeiro passo dos Estados Unidos para conquistar apoio internacional para eventuais futuras sanções.

"Trump quis deixar claro que Maduro deu um passo desastroso ao levar o país a uma ditadura. Com a medida, ele isola Maduro no grupo dos outros três chefes de Estado que sofreram sanções.

Tenho certeza que a decisão é fruto de conversas com outros países - basta ver a reação da comunidade latino-americana e europeia, que quase universalmente condenou a Assembleia Constituinte como inconstitucional e ilegítima."

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou que a eleição da constituinte "desrespeita o princípio da soberania popular e confirma a ruptura da ordem constitucional".

Além de Brasil e EUA, o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, e outros países americanos como Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México, Panamá e Peru se posicionaram contra a iniciativa de Maduro.

À reportagem, Schneider afirma que discorda da tese de que poupar as estatais de petróleo venezuelanas seria uma forma de proteger o mercado dos EUA - defendida inclusive por apoiadores de Trump no mercado de óleo e gás.

"A quantidade de petróleo comprado da Venezuela é de 10% do total das importações americanas. Pode haver no curto prazo um movimento de preços, mas isso não deve preocupar a economia americana", disse o especialista à BBC Brasil.

Mas muitos representantes desse mercado pensam diferente.

"Eventuais sanções ao setor de energia da Venezuela prejudicarão os negócios e consumidores dos EUA, ao mesmo tempo em que não abordarão os problemas reais na Venezuela", afirmou, em nota à imprensa, o presidente da Associação Americana dos Produtores de Combustível e Petroquímicos Chet Thompson.

Segundo a associação, principal órgão ligado a produtores de petróleo nos EUA, medidas contra o país poderiam aumentar os preços dos combustíveis de forma "desastrosa".

Já o banco Barclays, em nota a investidores, alertou para a possibilidade de um calote da dívida venezuelana em caso de sanções contra o país, já que 95% das receitas de exportação da Venezuela vêm do petróleo.