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Por que Barcelona se tornou o principal núcleo jihadista da Espanha?

Giannis Papanikos/AP
Imagem: Giannis Papanikos/AP

Pablo Esparza

18/08/2017 16h43

A região da Catalunha, e em particular sua capital, Barcelona, é hoje o maior centro de radicalização jihadista da Espanha.

O ataque de quinta-feira no calçadão da avenida Las Ramblas, que deixou 13 mortos e mais de cem feridos, e na cidade de Cambrils, onde cinco suspeitos foram mortos pela polícia e uma mulher atropelada pelo grupo não resistiu aos ferimentos, colocou em evidência um fato há algum tempo conhecido pelas forças de segurança espanholas.

"A Catalunha é a zona em que os processos de radicalização que detectamos aconteceram de forma mais rápida e cuja comunidade islâmica se caracteriza por ser mais radical e com mais vínculos com outros extremistas da Europa", destaca o Informe Anual de Segurança Nacionalde 2016, documento elaborado pelo governo espanhol.

Essa observação ajuda a entender o contexto que foi pano de fundo para os últimos atentados.

Passo a passo: entenda o que aconteceu nos atentados na Catalunha

UOL Notícias

Passado jihadista

Entre os 113 detidos na Espanha entre 2013 e 2016 por atividades relacionadas com o grupo autodenominado Estado Islâmico (EI), mais de 27% viviam em Barcelona, 30% em território catalão, de acordo com um relatório divulgado pelo Real Instituto Elcano, um dos principais centros de estudos estratégicos do país.

Ceuta e Melilla, cidades espanholas no norte da África, e Madri, capital do país, vêm na sequência como principais cenários de radicalização jihadista na Espanha.

A presença da Catalunha nesse ranking remonta a um processo que começou anos atrás - a lista de episódios ligados ao jihadismo nessa parte do país é longa.

"Uma das reuniões preparatórias para os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York aconteceu na Catalunha", afirmou à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Ignacio Álvarez Ossorio, professor de estudos árabes e islâmicos da Universidade de Alicante.

Atentado em Madri em 2004 deixou mais de 190 mortos - EFE - EFE
Atentado em Madri em 2004 deixou mais de 190 mortos
Imagem: EFE

Depois dos atentados de 11 de março de 2004 em Madri, por sua vez, que deixaram 192 mortos, os fugitivos passaram por Santa Coloma de Gramanet, localizada na periferia de Barcelona.

Em 2008, as forças de segurança frustraram um plano para atacar o metrô de Barcelona e prenderam dez pessoas vinculadas com o movimento talibã paquistanês.

"Aquilo alertou a polícia de que isso poderia acontecer na Catalunha. A partir daquele momento eles começaram a se preparar e, de certo modo, estavam esperando algo assim (como o atentado em Barcelona)", disse o professor Peter R. Neumann, diretor do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e da Violência Política da Universidade King's College, em Londres.

"Barcelona era um centro de radizalização e de pregadores salafistas há anos", acrescentou.

Desde 2012, 30 operações contra atividades jihadistas foram deflagradas na Catalunha.

Foco de radicalização e salafismo

As razões para a fixação dessas organizações na região são diversas.

"Uma delas é que o território tem uma das comunidades muçulmanas mais importantes da Espanha. Também influencia a proximidade com a França. Na Catalunha existem grupos radicais do Magreb (procedentes do norte da África), bem conectados com o EI e com a al-Qaeda, que mobilizaram combatentes. Em outras ocasiões, eles oferecem refúgio a militantes e se estabelecem como ponte com a Síria e com o Iraque", ressalta Álvarez Ossorio.

O perfil dos detidos na Espanha vinculados ao EI, ainda conforme o relatório do Real Instituto Elcano, mostra que 45,3% deles são espanhóis, 41,1%, marroquinos e 13,6%, de outras nacionalidades.

"São antes de tudo homens jovens, casados e com filhos, tanto os espanhóis quanto os marroquinos, em sua maioria com ensino médio e com uma taxa de desemprego semelhante ao do conjunto da população espanhola. Não é incomum que tenham antecedentes criminais. Embora tenham ascendência muçulmana, o conhecimento do Islã e da sharia ou da lei islâmica costuma ser elementar", afirma o relatório Estado Islâmico na Espanha, elaborado pelos investigadores Carola García-Calvo e Fernando Reinares.

Cerca de metade dessas pessoas pertence à segunda geração de descendentes de imigrantes de países majoritariamente muçulmanos, segundo o mesmo documento, e grande parte delas se radicalizou a partir do auge do EI em 2013.

Nesse processo, a aceitação dos preceitos do salafismo, uma versão radical e às vezes violenta do Islã, mostra ser fundamental.

Mais da metade das congregações salafistas da Espanha estão na Catalunha, escreveu Fernando Reinares, um dos maiores especialistas em jihadismo da Espanha, em um artigo publicado no jornal El País.

Pela internet

Mas essa não é a única via de radicalização. Cerca de 35% dos detidos na Espanha por terem vínculos com o EI começaram o processo "basicamente online", enquanto cerca de 40% combinaram a internet com relações pessoais de seu entorno.

"Isso se dá frequentemente por meio de amigos próximos e familiares, entre outras razões porque essa é a melhor maneira de evitar a infiltração das forças de segurança. Assim, em muitas ocasiões, esse processo acontece por grupos muito pequenos, que necessitam de poucos recursos", diz Álvarez Ossorio.

O professor destaca, entretanto, a "maior complexidade" do ataque desta semana, que envolveu vários suspeitos e afetou diversos lugares, quando se compara a outros atentados que aconteceram na Europa nos últimos meses.

"Temos visto o EI reivindicar autoria de ataques que não tinha planejado. Um atentado desta envergadura, por outro lado, poderia ter contado com aprovação do grupo", ressalta.

A escolha de Barcelona e do popular calçadão das Ramblas como cenário para um ataque com essas dimensões não foi por acaso, quando se leva em conta seu planejamento ou seu impacto midiático. Entre as vítimas há pessoas de 34 nacionalidades.

"Sabia-se da intenção de realizar um ataque em Barcelona. É uma cidade que gera interesse internacionalmente, e o que os organizadores procuram nesses casos é um alto-falante, que os meios de comunicação se concentrem no atentado. Barcelona tinha todos os números do 'bilhete de loteria' para um ataque dessas proporções", afirma Álvarez Ossorio.