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As polêmicas de Roberto Alvim, secretário de Bolsonaro que perdeu cargo após vídeo associado a nazismo

O secretário Roberto Alvim caiu nesta sexta-feira - Clara Angeleas/Divulgação/Secretaria Especial da Cultura
O secretário Roberto Alvim caiu nesta sexta-feira Imagem: Clara Angeleas/Divulgação/Secretaria Especial da Cultura

17/01/2020 12h40Atualizada em 17/01/2020 19h32

Após discurso parafraseando ministro da Propaganda de Hitler, secretário da Cultura perde o cargo; entenda os episódios que geraram repercussões negativas desde que Alvim entrou para o governo Bolsonaro.

O vídeo em que o secretário da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvim, faz um discurso com as mesmas palavras de uma fala de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha nazista, foi a mais recente atitude do secretário a gerar repercussões negativas desde que o ex-dramaturgo assumiu o cargo.

Logo após divulgar a filmagem, Alvim disse que a semelhança se trata de uma "coincidência retórica" e depois que "a frase em si é perfeita". Mas a repercussão, que incluiu críticas inclusive de membros do governo, levou à perda do cargo, anunciada por ele próprio em uma postagem no Facebook.

"Do fundo do coração: perdão pelo meu erro involuntário. Mas, tendo em vista o imenso mal-estar causado por esse lamentável episódio, coloquei imediatamente meu cargo a disposição do Presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de protegê-lo", escreveu.

A presidência da República disse que foi um "pronunciamento infeliz" e que "ainda que (Alvim) tenha se desculpado, (a fala) tornou insustentável a sua permanência". Em nota, o Planalto afirmou que reitera seu "repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas."

"Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum", diz a nota.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia pedido o afastamento de Alvim pouco antes do anúncio de sua demissão. "O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo", escreveu em sua conta no Twitter.

Entenda as diversas polêmicas envolvendo o agora ex-secretário da Cultura.

Máquina de guerra cultural

Ex-dono de um teatro na rua Augusta, em São Paulo, Alvim assumiu seu primeiro cargo no governo no meio do ano passado depois de começar a mostrar alinhamento com ideias do presidente Bolsonaro e defender ideias de artistas conservadores como Regina Duarte.

A primeira polêmica aconteceu antes mesmo de Alvim assumir o cargo de diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte (Fundação Nacional das Artes). Em junho, o dramaturgo fez um post em seu Facebook convocando "artistas de teatro conservadores" para criar uma "máquina de guerra cultural". Em outra postagem, fez um texto dividindo a arte em "arte de esquerda" e "arte de direita".

O comentário gerou uma forte reação negativa no meio do teatro, com vários comentários negativos nas próprias postagens.

"Essa distinção é esquizofrênica e você é um irresponsável", escreveu uma artista. "Só não tenho pena de você porque tenho pena de mim, honestamente. Socorro, que boçal!"

Acusações de censura no teatro

Após Alvim assumir a direção do Centro de Artes Cênicas da Funarte, artistas de teatro disseram que estavam sofrendo censura do diretor, que proibiu a peça Res Pública 2023, que iria ocupar uma sala do Complexo Cultural Funarte SP. O espetáculo, sobre jovens que sofrem dificuldades financeiras e perseguição em um futuro próximo, chegou a ter a estreia agendada.

Ao jornal O Globo, Alvim, disse que o critério para o veto foi "puramente artístico". "A peça não foi aprovada porque me pareceu que não havia nela alusão estética, apenas um discurso político", disse ele ao jornal, em outubro. "Isso não se chama censura e sim curadoria. Nunca proibi que a peça fosse exibida em outros lugares e até acho ótimo que ela seja."

Ataque a Fernanda Montenegro

Um dos episódios mais comentados envolvendo Alvim foi quando ele atacou a atriz Fernanda Montenegro após ela se posicionar contra diversos relatos de censura nas artes.

Em reportagens sobre a publicação de seu livro, a premiada atriz criticou a política das artes do governo Bolsonaro e fez um ensaio fotográfico no centro de uma fogueira de livros, uma alusão à queima de livros e à perseguição à cultura comuns em governos ditatorias.

Nas redes sociais, Alvim acusou Fernanda de ser "mentirosa".

"A 'intocável' Fernanda Montenegro faz uma foto pra capa de uma revista esquerdista vestida de bruxa", escreve Alvim. "Então acuso Fernanda de mentirosa, além de expor meu desprezo por ela, oriundo de sua deliberada distorção abjeta dos fatos", disse ele.

"Na entrevista, [ela] vilipendia a religião da maioria do povo, através de falas carregadas de preconceito e ignorância. Essa foto é ecoada por quase toda a classe artística como sendo um retrato fiel de nosso tempo, em postagens que difamam violentamente o nosso presidente."

O episódio também gerou repercussão negativa no meio cultural, com diversos artistas saindo em defesa de Fernanda Montenegro.

Pouco tempo depois, Alvim foi indicado ao cargo de Secretário Especial da Cultura.

Tentiva de contratar a esposa

Ainda na Funarte, Alvim tentou contratar a própria mulher, a atriz Juliana Galdino, para um projeto pago pelo governo que receberia R$ 3,5 milhões de dinheiro público, como revelou uma reportagem publicada pela revista Veja em setembro.

Dois meses depois, Alvim foi nomeado por Bolsonaro como secretário Nacional da Cultura.

Após a nomeação, o jornal O Globo divulgou que a tentativa de contratação da esposa por Alvim sem processo de licitação gerou uma investigação do Ministério Público.

Nomeações controversas

Na secretaria, Alvim ficou responsável por indicar nomes para presidir entidades culturais brasileiras. Suas indicações foram controversas e geraram repercussões negativas.

O maestro Dante Mantovani, que Alvim indicou para a presidência da Funarte, fez declarações sobre o rock dizendo que o estilo musical "leva ao aborto e ao satanismo".

"O rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto", afirmou.

Já a indicado de Alvim para o comando da Fundação Palmares, cujo objetivo é proteger e promover a cultura negra, foi impedido de tomar possa por decisão da Justiça.

O jornalista Sérgio Camargo, que assumia a fundação sob Alvim, diz que racismo não existe no Brasil. "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda", afirmou Camargo. Ele também disse que "a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes" porque "negros do Brasil vivem melhor que os negros da África".

Na época, Bolsonaro afirmou que Alvim "teve carta branca" para indicar Camargo para a fundação.

"O secretário é um tal de Roberto Alvim. Dei carta branca para ele. A cultura nossa tem que estar de acordo com a maioria da população brasileira, não de acordo com a minoria. Ponto final", disse o presidente.

Discurso com conotação nazista

A atitude de Alvim que gerou mais revolta foi depois da sua nomeação para secretário da Cultura. Feita nesta sexta, a alusão ao discurso de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, acabou resultando em sua demissão.

No vídeo publicado nesta quinta-feira, Alvim diz: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada".

A frase foi comparada a um discurso de Goebbels reproduzido no livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich:

"A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", afirmou Goebbels.

No vídeo Alvim também usa a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, como música de fundo. Hitler era um amante de óperas e fã de Wagner. Na autobriografia 'Minha luta', ele descreve como assistir à obra wagneriana Lohengrin pela primeira vez, aos 12 anos de idade, foi uma experiência que mudaria sua vida.

O episódio gerou uma repercussão negativa que ultrapassou o cenário cultural, com Alvim recebendo críticas tanto de artistas quanto de juristas e políticos.

"Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura. É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à comunidade e judaica", afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Dias Toffoli.

A associação foi vista com desconfiança inclusive por Olavo de Carvalho, considerado guru de parte dos integrantes do governo Bolsonaro. Ele escreveu: "É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos."

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