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'Há 15 dias, só choro': a angústia dos brasileiros que ainda não conseguiram voltar da Itália

Imagem ilustrativa de mulher em aeroporto; mais de 200 brasileiros ainda não conseguiram deixar a Itália após pandemia de coronavírus - Getty Images para BBC
Imagem ilustrativa de mulher em aeroporto; mais de 200 brasileiros ainda não conseguiram deixar a Itália após pandemia de coronavírus Imagem: Getty Images para BBC

Erika Zidko

De Roma para a BBC News Brasil

16/04/2020 18h46

De acordo com o Ministério das Relação Exteriores, há 260 brasileiros não residentes retidos no país europeu.

Com voos cancelados e sem previsão de novas datas para viajar, centenas de brasileiros que foram à Itália por diversas razões encontram dificuldades em voltar para o Brasil desde o início da pandemia.

É o caso de Santina José Nunes, de Criciúma (SC), que chegou à Itália no fim de janeiro para ficar poucos dias e, quatro meses depois, ainda não conseguiu voltar.

"Vim com dinheiro contado para ficar dez dias e resolver questões sobre a cidadania italiana, mas desde o cancelamento da minha passagem, que estava marcada pra dia 10 de fevereiro, não tenho mais onde ficar. Não tenho amigos nem parentes aqui", diz em entrevista à BBC News Brasil.

"Estou na rua", diz a brasileira de 59 anos. "Há quinze dias, só choro."

Santina incialmente estava em Brescia, a cerca de 80 km de Milão, hospedada na residência de uma conhecida, em troca de uma ajuda de custo. Após o cancelamento do bilhete aéreo por causa da pandemia de coronavírus, teve que deixar o local.

"Nunca imaginei passar por isso. De uma hora pra outra eu estava na rua."

Pelo boca a boca entre a comunidade de imigrantes, Santina conheceu uma brasileira residente em Lodi, na Lombardia, que se ofereceu para hospedá-la por poucos dias.

"Já estou na casa dela há dois meses. Não quero atrapalhar a família, tenho vergonha, sei que eles também estão sem trabalho por causa do coronavírus," conta Santina.

Sem remédios e com pouca comida

"Há várias semanas não tomo meus remédios contra a ansiedade. Não tenho dinheiro, não consigo dormir mas não vou pedir para quem já me está dando de comer."

"Quando eles comem, eu como."

A brasileira diz ter pedido ajuda ao Consulado em Milão.

"Consegui preencher o formulário que eles pedem e recebi uma ligação de uma funcionária. Expliquei a minha situação, mas ela disse que o Consulado não pode fazer nada para me ajudar, e que eu deveria pedir dinheiro aos meus parentes no Brasil."

"Se eles não nos podem ajudar, por que nos telefonam?", pergunta.

"Estou desesperada e sem saber o que fazer."

Férias frustradas

O turista Fred Carlos, que desde fevereiro está na cidade de Lomazzo, na Lombardia, também relata dificuldades para conseguir voltar ao Brasil, depois de ter o próprio voo cancelado por três vezes.

"Estou hospedado na casa de conhecidos há quase quatro meses. É constrangedor. E não posso nem sair de casa um pouco para dar um tempo a eles, porque não tenho uma justificativa para sair e ficar pelas ruas", disse em entrevista à BBC Brasil.

"Não falo italiano e está super difícil conseguir informações com as companhias aéreas, que repassaram os voos entre elas. Ninguém sabe me dizer quando haverá um novo voo", diz o brasileiro de 36 anos.

Ele também diz ter entrado em contato com o Consulado em Milão, relatando suas dificuldades.

"Depois de preencher o formulário online, eles me mandaram uma mensagem dizendo que o governo brasileiro está organizando um voo comercial, mas será a pagamento. Quem quiser embarcar, terá que pagar cerca de 700 euros. Eu simplesmente não tenho esse dinheiro", conta.

"A orientação do Consulado é que a gente aguarde até a situação se normalizar."

"Não sei mais a quem pedir ajuda. Nunca tinha usado as redes sociais antes, e me inscrevi no Facebook só para procurar outros brasileiros na mesma situação que eu."

"Até mesmo para saber o nome (italiano) do meu remédio contra a pressão, pedi ajuda nas redes sociais e o pessoal traduziu pra mim. Agora vou tentar comprar na farmácia sem receita."

O brasileiro, que trabalha como segurança em São Paulo, diz estar preocupado com os filhos no Brasil.

"Tenho que voltar ao trabalho, tenho dois filhos pequenos a quem pago pensão."

Trabalho ilegal

Fabiana de Souza faz selfie em plataforma de trem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
'De um dia para o outro fiquei sem emprego e sem ter onde ficar, porque estava trabalhando ilegalmente', relata Fabiana
Imagem: Arquivo pessoal

Como faz há sete anos, a brasileira Fabiana de Souza veio à Itália em janeiro deste ano para trabalhar por três meses no setor turístico, na região de esqui Vale D'Aosta.

"Com a chegada da epidemia de coronavírus, de um dia para o outro fiquei sem emprego e sem ter onde ficar, porque estava trabalhando ilegalmente", diz em entrevista à BBC News Brasil.

"Pedi ajuda ao Consulado, porque eu estava sem dinheiro e não sabia como retornar ao Brasil. Eu estava desesperada, mas eles me disseram que não poderiam fazer nada para me ajudar."

"A orientação deles é para que a gente procure as instituições de caridade como a Proteção Civil, Caritas ou outras entidades religiosas."

"Cheguei até a fazer uma vaquinha nas redes sociais", conta.

"Dias depois, não sei como, a companhia aérea me telefonou dizendo que iriam me encaixar num voo que faria escala em Frankfurt e em Londres, e que levou mais 24 horas para chegar em São Paulo."

"Tive sorte em conseguir embarcar, porque muita gente ainda não sabe como voltar."

"Agora a minha luta é aqui na minha cidade, São Sebastião do Paraíso, enfrentando o preconceito das pessoas que acham que eu estou com o coronavírus", desabafa.

E mesmo quem se disponibilizou a pagar pelo voo proposto pelo Consulado, continua sem saber se a viagem será mesmo realizada.

É o caso da turista Gerunzia Amorim.

"Pedi ajuda ao Consulado porque minha companhia aérea não tem previsão de novos voos."

Gerunzia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
'Sou privilegiada, pois muita gente ainda não tem como voltar pra casa', diz Gerunzia, que tem voo agendado
Imagem: Arquivo pessoal

"Já se passaram duas semanas desde que preenchi o formulário pedindo para ser incluída no voo que eles deverão organizar e até hoje não obtive nenhuma reposta", diz em entrevista à BBC News Brasil.

"Felizmente consegui comprar uma passagem com a Lufthansa para o próximo domingo. Agora é torcer para que não cancelem este voo também, do contrário terei dois bilhetes cancelados. Sou privilegiada, pois muita gente ainda não tem como voltar pra casa", diz.

"Vou sair de onde estou hospedada dois dias antes do horário do voo, porque estou longe do aeroporto de Roma e os nem todos os trens estão funcionando. Vai ser preciso trocar de trem várias vezes e, provavelmente, vou dormir no aeroporto com outros brasileiros", diz Gerunzia.

E mesmo quem conseguir comprar um novo bilhete aéreo encontrará dificuldades para viajar dentro do país, já que os transportes públicos estão funcionando com grandes restrições por causa da pandemia.

Nas redes sociais e nos grupos de chat, brasileiros trocam informações sobre como chegar aos aeroportos de Milão ou Roma, quais linhas de trem foram canceladas, em quais estações é melhor dormir, como preencher a justificativa para poder circular pelas ruas, quantas máscaras e luvas descartáveis reservar para a viagem e até sobre o distanciamento - inexistente - entre os passageiros no avião.

"Vou levar muitos dias para chegar em Salvador", conta Gerunzia. "Depois que eu aterrissar no Brasil, por precaução, ainda vou ficar em quarentena voluntária".

Cesta básica

Manuela Serafim, de 28 anos, chegou à Itália com o marido, Guilhermo Campos, para realizar o processo de cidadania. "Tenho residência legal e todos os documentos necessários para receber a nacionalidade italiana. Infelizmente, porém, o processo foi interrompido por causa da epidemia."

"Acabamos ficando sem dinheiro para pagar o aluguel, para comprar as passagens de volta e até para comer", conta.

"Para não ser despejada, fizemos uma vaquinha com parentes no Brasil. Até o dia 18 de abril temos onde ficar", conta a brasileira que está na cidade de Vale Corsa, próxima a Roma.

Manuela diz ter solicitado ajuda ao Consulado em Roma e de ter recebido a oferta de 50 euros (R$ 284), mas por causa das restrições no transporte público, não pôde comparecer pessoalmente para retirar o dinheiro.

"Conversei com o cônsul pelo telefone explicando a nossa situação e, dias depois, recebemos uma cesta básica do Consulado", diz. "Mas avisaram que não há planos de repatriação."

Em nota à BBC News Brasil, o Ministério das Relação Exteriores afirmou ter conhecimento de 260 brasileiros não residentes retidos na Itália.

"No caso específico da Itália, rotas de retorno ao Brasil por via comercial continuam disponíveis, por meio de escalas em Amsterdã e Frankfurt."

"Recordamos que os brasileiros que comprovarem carência de recursos podem solicitar ajuda ao Consulado ou à Embaixada em sua região, os quais buscarão, de acordo com as limitações legais existentes, dar apoio aos nacionais em situação de hipossuficiência financeira", diz a nota.