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Dissidência cubana encara o desafio de conseguir mais influência social

Cubanos celebram notícia da morte do ex-presidente de Cuba no bairro Little Havana, em Miami (EUA) - AFP
Cubanos celebram notícia da morte do ex-presidente de Cuba no bairro Little Havana, em Miami (EUA) Imagem: AFP

Em Havana

26/11/2016 08h19

Unida na reivindicação de liberdade e democracia para Cuba, mas fragmentada em múltiplos grupos, a dissidência interna assiste à morte de Fidel Castro com o desafio de alcançar mais influência social, em uma época em que as novas tecnologias abriram espaços à crítica e ao descontentamento.

Os dissidentes e opositores a Castro surgiram quase ao mesmo tempo do triunfo da revolução e se mantiveram com altos e baixos como um elemento sempre presente no país e sempre acusados pelo regime como "contra-revolucionários" e "mercenários" a serviço dos Estados Unidos.

Muitos deles vivenciaram longos anos de prisão como o "Grupo dos 75", os opositores que na "Primavera Negra de 2003" foram condenados a penas de até 28 anos de reclusão, acusados de conspirar com os EUA, atentar contra a independência do Estado e minar os princípios da revolução.

Sob o mandato de Raúl Castro, entre 2010 e 2011, ocorreu a libertação da maior parte desses e de outros presos políticos, uma das principais reivindicações históricos da dissidência.

Mas aquele processo, fruto da mediação da Igreja Católica, foi muito criticado por uma parte da oposição porque a maioria das libertações aconteceu sob a condição do exílio.

A dissidência denuncia que a repressão política se manteve com Raúl Castro, embora sob um formato de "baixa intensidade", com múltiplas detenções temporárias de horas ou dias, além do "repúdio" aos atos governistas de assédio e perseguição contra grupos opositores.

No meio de um ferrenho sistema de controle social, os críticos tentaram em mais de meio século de castrismo diversas formas de protesto e resistência para tornar visíveis suas demandas: desde os presos "plantados" que se negavam a vestir o uniforme penitenciário até as greves de fome e sede, além das caminhadas pacíficas das dissidentes Damas de Branco.

Mas em um país onde todos os veículos de imprensa são controlados pelo Estado, a única publicidade que o governo deu aos dissidentes foi ao denunciar suas atividades "subversivas" com programas especiais para tentar provar seus vínculos com o governo dos EUA, com a CIA e com os grupos anticastristas no exílio.

Presidente de Cuba anuncia morte de Fidel Castro

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Após a saída de Fidel Castro do poder, em 2006, os grupos dissidentes veteranos mantiveram o ativismo e a maioria começou a acreditar em uma transição pacífica rumo à democracia.

Entre os principais destaques da dissidência estão a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN) e as Damas de Branco.

Outro nome de referência entre os dissidentes é Guillermo Fariñas, psicólogo e jornalista independente com um histórico de 25 greves de fome, entre elas a de quatro meses feita em 2010 para exigir a liberdade dos presos políticos depois da morte do prisioneiro de consciência Orlando Zapata Tamayo, após um jejum na prisão, e a mais recente neste ano.

Um dos grupos que se consolidou nos últimos anos é a União Patriótica de Cuba (Unpacu) liderada pelo ex-prisioneiro do "Grupo dos 75", José Daniel Ferrer, com especial força em Santiago de Cuba e nas províncias ao leste do país.

Além da repressão e da perseguição, a dissidência sofreu notáveis perdas nos últimos tempos, como a do famoso opositor Oswaldo Payá, morto aos 60 anos em junho de 2012 em um acidente de trânsito.

Payá era o coordenador do Movimento Cristão Libertação (MCL) e o promotor do chamado "Projeto Varela", com o qual propôs um referendo para uma transição democrática e pacífica apresentado em 2002 no parlamento cubano com o aval de milhares de assinaturas.

Além disso, Payá foi o primeiro cubano a receber, em 2002, o prêmio Sakharov do Parlamento Europeu aos Direitos Humanos, instituição que em anos posteriores também concedeu o reconhecimento às Damas de Branco e a Guillermo Fariñas.

A oposição "clássica" ganhou nos últimos anos vozes mais jovens que encontraram nas novas tecnologias, apesar das restrições sobre a internet no país, uma maneira de canalizar as críticas ao sistema.

A mais famosa delas é Yoani Sánchez, autora do blog "geração Y", no qual reflete sua visão sobre o cotidiano do país e que foi agraciada pelo jornal espanhol "El País" com o Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo Digital em 2008, ano em que a revista "Time" a incluiu em sua lista das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Usuária ativa da rede social Twitter, a Yoani impulsionou cursos, oficinas para blogueiros e escreveu manuais para utilizar a plataforma Wordpress e tuitar de um telefone celular. Desde 2014, ela dirige o portal digital independente "14ymedio", censurado em Cuba.

Para o regime cubano, Yoani Sánchez pertence a uma nova classe de "contra-revolucionários" que o governo classifica como "cibermercenários" fabricados pelos Estados Unidos.

Muitos integrantes da dissidência interna puderam expressar suas denúncias sobre a falta de liberdades e de respeito aos direitos humanos no país fora das fronteiras cubanas, graças à reforma migratória de 2013 que acabou com as restrições para viajar ao exterior e retornar.

Vários dissidentes como Fariñas, a líder das Damas de Branco, Berta Soler, a blogueira Yoani Sánchez e o ativista Elizardo Sánchez, entre outros, não tiveram problemas nos últimos anos para viajar ao exterior e retornar a Cuba.

Fidel Castro morreu aos 90 anos às 22h29 de sexta-feira (hora local; 1h29 de sábado em Brasília), informou seu irmão, o presidente Raúl Castro, em pronunciamento na rede de televisão estatal.

O corpo do líder histórico da Revolução Cubana será cremado, de acordo com sua "vontade expressa", explicou Raúl, visivelmente emocionado.