Senado encerra fase de debates do impeachment e Dilma tem poucas chances de reverter condenação

Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) - Após mais de 16 horas de discursos na terça e na madrugada desta quarta-feira, o Senado encerrou a etapa de debates do julgamento do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff deixando no ar uma sensação de que a condenação da petista é praticamente inevitável.

Na esteira do depoimento de Dilma na véspera, bem avaliado até mesmo por adversários, mas sem chances de reverter o placar que se desenha, acusação e defesa iniciaram a terça-feira com embates emotivos entre si.

Do lado da acusação, a advogada Janaína Paschoal, entre um argumento e outro, chorou e pediu desculpas a Dilma por lhe causar sofrimento.

"E eu peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela", afirmou, com voz embargada.

Autora de colocações incisivas contra Dilma, Janaína defendeu que os senadores avaliem não só a denúncia oferecida contra a presidente, e lembrou que o pedido inicial incluía -- além dos decretos de crédito suplementar e das manobras fiscais que ficaram conhecidas como "pedaladas" -- as denúncias de desvio de recursos na Petrobras e o que chamou de fraude eleitoral, com o governo escondendo a real situação econômica do país durante a eleição.

O advogado da presidente, José Eduardo Cardozo, por sua vez, caiu no choro ao descer da tribuna, de onde fez a defesa de Dilma.

"Quando se tem uma situação desse tipo, é impossível que não se fique emocionado e indignado com coisas que são ditas. Quando perdem a capacidade de se indignar, as pessoas se desumanizam", explicou depois, a jornalistas, o ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União.

Durante a sustentação da defesa, Cardozo reclamou dos que consideram, no processo, o "conjunto da obra", e não necessariamente aos três decretos de crédito suplementar e as pedaladas fiscais discriminadas na acusação.

Mais do que se deter a questões técnicas, o advogado apelou para o senso de justiça dos parlamentares, fazendo paralelos entre a atuação de Dilma na ditadura militar e as acusações que enfrentou e o momento atual.

Encerrado o tempo destinado à defesa e à acusação, senadores puderam passar cerca de 12 horas discursando da tribuna. Foram mais de 60 inscritos, com direito a falar por 10 minutos cada, levando essa etapa do julgamento quase às 3h da quarta-feira.

Senadores contrários ao impeachment aproveitaram a ocasião para fazer um registro histórico de sua posição e reforçar a tese de que o processo em curso constitui um golpe.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil de Dilma e também uma das mais aguerridas defensoras da petista, comparou o processo de impeachment com outros momentos da história, como a deposição do ex-presidente João Goulart pelos militares em 1964.

Outro fiel defensor de Dilma, Lindbergh Farias (PT-RJ), referiu-se a todo o processo como um "tribunal de exceção".

"Presidenta, pode dormir tranquila. A história te reserva um lugar de honra, ao contrário de quem votar pelo impeachment", discursou o senador.

Já senadores favoráveis ao impedimento, em maior número, negaram qualquer irregularidade do processo e reafirmaram que há elementos suficientes para condenar Dilma.

Segundo senador a discursar na terça-feira, o relator do processo na comissão especial do impeachment, Antonio Anastasia (PSDB-MG), afirmou que houve desrespeito à lei orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal com a edição dos decretos de créditos suplementares e com manobras fiscais que incluíam o atraso nos repasses do Tesouro ao Banco do Brasil referentes ao Plano Safra -- os dois pilares que sustentam o pedido de impeachment.

Anastasia apontou ainda o que considerou um paradoxo da peça de defesa entregue à comissão especial do impeachment, que sustenta que não havia prazo para os pagamentos relativos ao Plano Safra. Depois, segundo o senador, a defesa argumenta que houve apenas um "atraso".

"Como é possível haver atraso se não há prazo para pagamento?", questionou Anastasia.

Na mesma linha, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado por Dilma nas eleições presidenciais de 2014, creditou a perda de credibilidade do país às pedaladas e aproveitou para defender que, caso seja efetivado o impeachment, o próximo governo faça reformas estruturantes.

"Foram os brasileiros, sim, que nas ruas disseram que este governo não tinha mais legitimidade para nos governar porque venceu as eleições com inverdades e com ilegalidades e continuou governando cometendo crimes", disse o senador tucano.

NÃO VAI DAR

Ainda que tenham recebido uma injeção de ânimo com o depoimento da presidente afastada na véspera, aliados de Dilma já passavam, no fim da noite, a jogar a toalha.

Esforçaram-se em negociações -- que incluíram o empenho pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva -- para conseguir ao menos sete votos. Eles seriam suficientes para, somados aos 21 que já contabilizam, evitar que o lado adversário obtivesse os 54 necessários para condenar Dilma.

Mas a esperança foi-se esvaindo, à medida que senadores tidos como indecisos declaravam seus votos a favor do impedimento. A quase impossibilidade de reversão ficou mais clara quando a bancada de senadores do Maranhão, que vinha mantendo conversas com os aliados de Dilma, resolveu que votaria com o governo interino de Michel Temer, contra a petista.

Outros, no entanto, preferiram deixar no ar uma dúvida quanto seu posicionamento. Esse foi o caso do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), relator das contas de 2014 do governo Dilma na Comissão Mista de Orçamento (CMO). Teceu críticas tanto à gestão da petista quanto à do presidente interino Michel Temer, mas não deu indicações claras de como irá se portar na quarta-feira.

Ainda assim, governistas calculam que terão entre 58 e 61 votos, número que pode variar a partir de uma série de fatores, que também envolvem a decisão do presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL), de votar ou não.

Renan vinha tentando construir uma imagem de isenção, e manteve conversas com os dois lados do processo, chegando a reunir-se mais de uma vez com a presidente afastada.

Aliados, avaliam, no entanto, que o presidente do Congresso deveria votar, para dar uma sinalização clara de que está com o governo. Renan, no entanto, ainda não teria informado se irá, de fato, se manifestar no caso.

A sessão de julgamento, interrompida na madrugada desta quarta-feira, deve ser retomada às 11h, para o início da fase de votação.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, responsável pela condução do julgamento, deve iniciar a fase da votação com a leitura de um resumo, com os fundamentos da acusação e da defesa.

Depois, será dada a palavra a dois senadores favoráveis e dois contrários ao impeachment para fazerem o "encaminhamento" da votação, que deve ser iniciada em seguida.

O rito, entretanto, pode ser interrompido a qualquer momento por questões de ordem. Há uma tentativa, de senadores aliados de Dilma, de fazer duas votações, uma para a perda do cargo e outra, para perda de direitos políticos, uma das consequências previstas em caso de condenação.

Após o resultado da votação, caso Dilma seja condenada, terá de ser convocada uma sessão do Congresso Nacional, para que Temer seja empossado no cargo. Uma vez efetivado no cargo, Temer deve seguir para a China, para reunião de cúpula do G20.

(Reportagem adicional de Leonardo Goy e Lisandra Paraguassu)

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