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Isolada, Laerte critica Bolsonaro: 'Não é um presidente, é um acidente'

Rafael Roncato/UOL
Imagem: Rafael Roncato/UOL

08/05/2020 15h03

A cartunista, chargista e apresentadora Laerte Coutinho cumpre um rígido isolamento social em seu apartamento em São Paulo. Sem muito sofrimento, com otimismo e em companhia de sua gata. A seguir, em entrevista exclusiva à RFI, ele fala de como vê o confinamento e a política do governo federal a respeito.

RFI: Como você vê o isolamento?

A minha posição pessoal é a de que existe uma política correta de enfrentamento dessa crise que é o isolamento. Concordo com a tese que tem sido predominante no mundo inteiro. O que me leva a considerar a atitude contrária a essa como alguma coisa entre a irracionalidade, o oportunismo e os planos mais esquisitos que podem ser concebidos. Que é o que se passa na cabeça do demente psicopata que ocupa a presidência do nosso país. Ele não é um presidente, ele é um acidente (risos).

Eu fico pensando como é que esse cara foi parar lá, como é que colocaram esse jumento no alto de uma torre. Eu não sei, a questão de como ele foi parar lá é motivo para uma outra conversa. O que eu quero dizer é que as ideias do presidente da República e de seu staff mais próximo a respeito de como enfrentar a situação de pandemia são absolutamente suicidas, irresponsáveis e precisam ser interrompidas de alguma forma.

Não estou defendendo o uso da violência (risos), estou pensando só nos canais tradicionais de luta. Mas enfim, esse sujeito precisa ser brecado. Os estados estão, a maior parte deles, pelo menos, têm tido uma atitude correta, eu acho. Em diferentes graus estão praticando e impondo o isolamento e procurando abastecer a população de baixa renda, pessoas que estão em situação de carência, com meios para sobreviver. Não está sendo fácil, pois muito disso depende de um empenho do governo federal, principalmente a parte de abastecer com recursos. E esse empenho não está acontecendo. Existe uma ideia que está entre a demência e o oportunismo radical, fascista. Enfim, a situação é difícil.

Fora isso existem vícios sociais, políticos, historicamente difíceis de se superar no Brasil, que é de alucinar! Hoje mesmo pintou a notícia de famílias sendo despejadas de uma ocupação em favela, gente indo parar na rua, num momento como esse, por questões como posse de terra, o dono do terreno que entrou com recurso, aí o juiz bate o martelo dizendo que tem ordem de despejo, e a coisa vai se desenrolando, se desencadeando uma série de ações, acaba vindo a polícia, batendo nas pessoas. Como se a gente não vivesse uma situação de catástrofe, como se a gente vivesse uma situação normal.

Então famílias sendo despejadas, jovens sendo espancados pela polícia, e esse é o horror do Brasil. Essa pandemia veio surpreender o Brasil não em um momento de paz, tranquilidade, equilíbrio e geração de empregos. Não, a gente estava no auge de uma crise muito grande, histórica e que demandava, ainda demanda uma solução radical, no meu entender.

Esse é o horror local que a gente enfrenta. Nos termos da dinâmica da pandemia no mundo, isso está levando o Brasil a enfrentar muito mal as questões sanitárias e de enfrentamento da doença. O Brasil está se tornando um foco da covid-19 que não era. Todas as avaliações estão dando conta de que o Brasil está caminhando para se tornar um dos epicentros, o que é ruim para todo mundo, não é pequeno o desastre.

Como você está vivendo o confinamento?

Essa pergunta é muito ampla (risos). Eu simplesmente estou ficando em casa. Não estou saindo, a não ser para coisas muito urgentes. Como estou encarando isso, ou como me sinto em relação a essa quarentena, é uma situação diferente, as impressões e os sentimentos também variam muito. Em alguns momentos é até possível sentir uma espécie de paz interna, levando em conta que eu moro sozinha, não tenho interações com outras pessoas. A única pessoa que tem aqui é uma gata.

Isso muda muito no seu dia a dia, no seu processo de criação?

Numa certa medida é bom, inclusive. Porque me obriga a estabelecer uma rotina mais personalizada. Como não tenho solicitações de fora para sair, para ir ao dentista, à ginástica, à análise, todo o tempo está sujeito à minha própria organização. Isso me obriga a ter um tipo de atenção que antes eu não tinha, mas ao mesmo tempo me conduz a uma relação com o trabalho mais madura, mais produtiva. Existem trabalhos que eu já vinha realizando, todo o meu compromisso com a Folha de S.Paulo, por exemplo, é uma rotina de trabalho, então isso não mudou nada. Outros trabalhos me obrigaram a ter uma relação mais estruturada, e isso tem sido bom.

Algum tipo de crise por causa do isolamento?

Não tenho tido —até agora— pânicos. Isso costuma acontecer na vida de quem trabalha com criação e está submetido a um regime muito diferente. A pessoa entra numa espécie de pânico e não consegue produzir. Isso não tive até agora, então está uma beleza.

Como você faz para evitar isso?

A tecnologia dos tempos que a gente vive ajuda bastante. Eu consigo falar com meus filhos, com meus netos, com minha mãe e com meu pai por este canal aqui. Algo que na minha juventude achava que não ia ver na minha vida. Quando passou 2001 Uma Odisseia no Espaço (de Stanley Kubrick), e as pessoas falavam por vídeo, telefone, eu achava que isso era futurismo, e isso foi em 1967, 1968. Eu achava que isso era um futuro absurdamente longe. Mas não é, né? [risos] Estamos aqui falando... Então isso ajuda.

Veja a íntegra da entrevista em vídeo: