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Halteres, cartuchos de impressora e cabelereiro relâmpago: os parisienses se preparam para o lockdown

28.out.2020 - Clientes de um café em Paris assistem ao pronunciamento do presidente Emmanuel Macron, que anunciou lockdown de um mês por causa da covid-19  - Martin Bureau/AFP
28.out.2020 - Clientes de um café em Paris assistem ao pronunciamento do presidente Emmanuel Macron, que anunciou lockdown de um mês por causa da covid-19 Imagem: Martin Bureau/AFP

29/10/2020 14h19

Eterno "dia da marmota" ou um "déjà vu" infinito? Esta quinta-feira (29) deu início à corrida maluca dos parisienses contra o relógio antes do novo lockdown na capital francesa, trazendo lembranças sem sempre tão agradáveis da primeira experiência com a quarentena em 2020. Cartuchos de tinta para a impressora, halteres, tapetinhos de ioga, alguns rolos de papel higiênico ou um último corte de cabelo: metódicos e resignados, os moradores da capital se preparam para enfrentar seu segundo confinamento, que começa à meia-noite e deve durar pelo menos um mês.

Nos supermercados de Paris, nenhum "ataque de pânico consumista" ainda, mas uma lista de compras direcionada. E com atenção especial a dois itens que já se tornaram dois cults dessas duas temporadas de confinamento 2020: papel higiênico e macarrão.

"Só um pacote de cada um, vamos ser razoáveis, não haverá ruptura de estoque, a ideia é não voltar amanhã, quando vai ter muita gente", explica Mourad Amarouche, pai de família, entre as prateleiras de uma loja de conveniência.

Os cabeleireiros de Paris, obrigados a fechar na sexta-feira (30), também estiveram lotados.

Em uma das poltronas do salão Angelo Capelli, na famosa Place de la République (Praça da República, em português), Oulaya, de 50 anos, conseguiu se espremer na agenda já lotada do cabeleireiro. Ela quer "um corte que dure muito tempo", explica, com um sorriso.

Menos de uma hora após a abertura do salão, o telefone continua tocando acelerado. Um último sortudo consegue negociar um lugar: José Guedj, na recepção do cabeleireiro, vai aceitar o cliente na hora do almoço.

Nas empresas, alguns fazem sua última viagem ao escritório, antes do reconfinamento. Despachar alguns assuntos do dia-a-dia, transferir seu telefone fixo para o celular, regar as plantas e trazer de volta alguns arquivos ou equipamentos, além de se despedir dos dolegas. Na Esplanade de la Défense, bairro de negócios da capital francesa, alguns funcionários simplesmente vieram com uma mala buscar suas coisas no trabalho.

Fila na frente da loja de eletrodomésticos

Em frente a uma loja de eletrodomésticos no centro de Paris, poucos minutos antes da abertura, cerca de quarenta pessoas já fazem fila.

Pierre, 40, veio comprar "um computador para home office e acessórios para ficar mais confortável". Um pouco mais longe na fila, outra cliente, Catherine Debeau, uma senhora na casa dos 60 anos, abastecia-a de cartuchos de tinta - pelo menos três. "Tenho que prever a situação, pois não temos data de desconfinamento".

Por que tanta tinta? "Para imprimir as autorizações de saída!", sorri, fazendo referência aos documentos que todos os franceses devem ter seja na bolsa, seja em formato digital no celular, autorizando-os a sair, e especificando nome, endereço, horário e, mais importante de tudo, o objetivo da saída.

"Remake de março?"

Do home office ao lazer, muitos parisienses, mesmo abatidos, já organizaram seu programa reconfigurado para o reconfinamento.

"Além de intensificar um pouco o treinamento físico para manter o mental, aconselho trabalhar a capacidade de adaptação, de tomar os anúncios e cada restrição um a um, quase como um desafio", professa Michael, soldado e treinador esportivo que, sem uma academia aberta, terminou seu treinamento diário nas margens do Canal Saint-Martin.

Em uma grande loja de equipamentos esportivos, todo o kit de sobrevivência dos esportistas já havia acabado ao meio-dia da quarta-feira (28). Halteres, bolas de pilate, tapetes de ioga... "Não sobra nada, é o remake (do mês) de março", comenta Lisa, uma vendedora, reabastecendo os últimos estoques de elásticos de fitness, antes do lockdown. No mercado oriental do 15° distrito, uma fila de mais de 50 pessoas esperava do lado de fora para comprar seus produtos antes do lockdown.

Como a nova quarentena chega no inverno e no primeiro frio do outono, as listas de compras de última hora revelaram um desejo inegável de "aconchego" e hibernação.

"Comprei velas + zen + caríssimas para me sentir bem no apartamento, quando volto do trabalho. Para esquecer a tristeza de ver de novo estas ruas tristes e vazias, e o fim dos terraços dos bares e restaurantes", explica Mehdi Lacheb, um farmacêutico de 34 anos.

Para polir o interior de sua casa, Léonore, 30, comprou com urgência uma tinta azul profundo para "consertar móveis que estavam esperando há muito tempo". A loja de reparos para a casa de seu bairro vendeu mais potes em uma hora quanto em um dia inteiro no mesmo momento do ano passado. Os departamentos de encanamento e elétrico também estão lotados.

Medo de ficar "na mão" com panes domésticas

"As pessoas têm medo de ficarem na mão com pequenos problemas domésticos, estão se preparando. Ontem foi uma loucura. E foi antes dos anúncios do presidente!", diz Sébastien, o vendedor.

Mas por trás dessa excitação causada pelas circunstâncias, todas voltadas para questões domésticas ou organizacionais, também começam a aparecer as primeiras ansiedades profundas sobre o futuro.

"O primeiro lockdown era novo. Não sabíamos no que estávamos nos metendo. Mas aqui sabemos, já vivemos a situação, não há curiosidade. Resta o tédio e o isolamento e, no meu caso, com certeza a impossibilidade de trabalhar", explica Spag Bertin, fotógrafo de 32 anos.