Os dias estão ficando mais curtos. Hora de celebrar outro memorial da 2ª Guerra Mundial?

Anne Applebaum

Anne Applebaum

Na próxima semana - às 4h45 da manhã do dia 1º de setembro de 1939, para ser mais precisa - faz 70 anos que o navio de batalha alemão Schleswig-Holstein começou a bombardear a base militar polonesa de Westerplatte. Para os alemães, para os poloneses e para os britânicos e franceses, que imediatamente declararam guerra contra a Alemanha, foi o início da Segunda Guerra Mundial. A União Soviética, tendo assinado um acordo secreto com a Alemanha nazista, não declarou guerra, mas também estava se preparando para invadir a Polônia e os países Bálticos. O que fez, duas semanas e meia depois, no dia 17 de setembro.

Nenhum desses fatos básicos está em discussão. Tampouco podem ser descritos precisamente como "eventos atuais": duas gerações se passaram, mas eles ainda continuam a ser lembrados, contestados e comemorados em todo ano de aniversário que termina com cinco ou zero.

Lembro-me de brincar com um amigo no dia 8 de maio de 1995, no 50º aniversário da capitulação nazista, dizendo que finalmente tínhamos atingido o fim dos aniversários. Mas não. Na semana que vem, no dia 1º de setembro de 2009, os primeiros-ministros da Rússia, Polônia e França, o ministro de relações exteriores do Reino Unido; o chanceler da Alemanha e mais de uma dúzia de outros líderes europeus vão se reunir em Westerplatte para lançar o ciclo dos aniversários de 70 anos - pouco depois do de 65 anos. Por quê?

A resposta não pode estar nas experiências pessoais de qualquer dos estadistas envolvidos já que nenhum estava vivo na época. Está, mais propriamente, na forma que as memórias de guerra se tornaram centrais à memória nacional e, portanto, à política contemporânea de tantos países que dela participaram.

Tudo na Alemanha moderna, por exemplo, nasceu da guerra, desde seu pacifismo e sua devoção à União Europeia até a arquitetura de sua capital. A culpa pela guerra está entranhada no sistema político e se torna controversa apenas quando alguns alemães parecem querer abandoná-la: a nova onda de interesse no destino dos alemães que fugiram ou foram expulsos da Europa Central após a guerra, ou a popularidade de livros sobre os bombardeios aliados nas cidades alemães, preocupam muitos na região.

Assim se explica a presença de Angela Merkel em Westerplatte. (Ela foi a primeira a confirmar sua participação.) Nenhum chanceler quer que os vizinhos da Alemanha duvidem que o país ainda lamenta 1939, mesmo que sejam indiferentes. E ninguém quer que os vizinhos da Alemanha temam uma agressão alemã hoje.

Para os poloneses, este 70º aniversário tem um significado diferente: é a primeira vez que este evento será comemorado por um governo polonês que é membro firme tanto da União Europeia quanto da Otan. Os britânicos e os franceses estarão lá pela mesma razão - a Europa Central, em geral, e a Polônia, em particular, agora têm um número grande de votos em instituições européias e geralmente têm que ser levadas mais a sério do que antes.

Por outro lado, os políticos norte-americanos presumivelmente estarão ausentes, porque não têm razão especial de levar a Europa Central seriamente. Em termos gerais, os antigos aliados preferem se lembrar das partes da guerra - o dia D, por exemplo - que contribuem para sua memória do Triunfo da Democracia de 1945, preferindo esquecer que a razão de ser inicial da guerra, a independência da Polônia e a liberdade da Europa Central, não foram de fato alcançadas até 1989.

O primeiro-ministro russo Vladimir Putin vai participar por razões ligeiramente diferentes, ao menos aparentemente. No último final de semana, a televisão estatal russa transmitiu um longo documentário, chamado "Os segredos dos protocolos secretos", essencialmente justificando Stalin por ordenar a invasão em 1939 da Polônia e dos Estados bálticos - e por fechar um acordo secreto com Hitler - com base que a própria Polônia estava em aliança secreta com os nazistas.

Putin talvez não defenda essa tese chocante e não histórica, mas - a julgar por um artigo que escreveu para a mídia polonesa - talvez tente "contextualizar" o pacto Hitler-Stalin comparando-o com outras decisões diplomáticas. Ultimamente, outros russos expressaram opiniões similarmente positivas de 1939, em uma tentativa bem coordenada de justificar o pacto Hitler-Stalin. (Muitos nem têm opiniões: uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos russos não sabe que a União Soviética invadiu a Polônia em 1939.)

Do ponto de vista da elite governante russa, contudo, tais interpretações fazem sentido: ao elogiarem a agressão de Stálin contra os vizinhos da União Soviética há 70 anos, os atuais líderes ajudam a justificar a agressão da Rússia contra seus vizinhos hoje, ao menos aos olhos do público russo. Certamente, ajudam a deixar ansiosos os vizinhos russos da Europa Central - precisamente o efeito oposto que Merkel espera alcançar.

Assim, o mesmo evento pode ter vários significados. Alemães e russos expressam seus sentimentos radicalmente diferentes sobre seu lugar na Europa - e as celebrações de aniversário continuam, a cada cinco anos, sem falta.

Tradução: Deborah Weinberg

Anne Applebaum

Jornalista escreve sobre política norte-americana e assuntos internacionais.

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