Os Estados Unidos perderam o interesse pela Europa?

Anne Applebaum

Anne Applebaum

Sejamos brutalmente francos: o 60º aniversário da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), comemorado em abril último, foi um evento entediante. O presidente dos Estados Unidos estava visivelmente desinteressado. Os seus congêneres europeus, embora mais acostumados às "comemorações", que consistem de discursos sonolentos proferidos por burocratas em diversos idiomas, não se mostravam mais entusiasmados. O evento foi encerrado com um pedido débil dos Estados Unidos de mais tropas para o Afeganistão, um apelo que não despertou nenhum entusiasmo.

Sejamos ainda mais francos: a decisão do presidente Barack Obama de comparecer ao 65º aniversário do desembarque das tropas aliadas na França, no Dia D, foi incompreensível. Por que o 65º aniversário? Não se trata sequer de um número redondo. Não se esperava originalmente que ele comparecesse, e a presença de Obama significou que a lista de convidados - nem a rainha da Inglaterra estava incluída - teve que ser expandida no último minuto. Isso foi bom para os veteranos que estavam presentes, especialmente porque Obama proferiu um ótimo discurso, elogiando os homens extraordinários que, "em um momento de máximo perigo, em meio às circunstâncias mais sombrias... encontraram dentro de si algo que lhes possibilitou realizar algo de extraordinário". Mas o impacto político foi limitado, e nenhum país europeu enviou mais tropas ao Afeganistão.

Aumentemos a franqueza: é impossível não ter a impressão de que, pelo menos nas suas relações com a Europa, o governo Obama está seguindo diretamente os passos do governo Bush. Durante os últimos dez anos, o velho continente foi tratado como uma grande oportunidade para fotografias - a campanha de Obama chegou até mesmo a usar o Portão de Brandenburgo, em Berlim, como cenário de fundo para um discurso no verão passado - e como um local excelente para que ele falasse sobre as façanhas do passado. Mas nem os republicanos nem os democratas parecem considerar a Europa como uma região digna de embaixadores experimentados - Obama, como Bush, enviou uma quantidade notável de doadores de campanha - ou de diplomacia séria.

Quanto à Europa Central, ela não é considerada digna de diplomacia alguma. Na semana passada, o primeiro-ministro tcheco foi acordado após a meia-noite para ser informado pela Casa Branca de uma decisão não urgente que vinha sendo planejada havia vários meses: o cancelamento do programa de defesa antimísseis. O primeiro-ministro polonês recusou-se a receber uma ligação similar. Mas isso não é nenhuma novidade: a decisão original da Casa Branca de Bush de instalar o escudo antimísseis e o radar na Europa Central foi tomada antes que os governantes desses países da Europa Central fossem consultados - nem à meia-noite, nem ao meio-dia. A carta oficial do Pentágono em 2007 chegou acompanhada de uma "sugestão de resposta": os governos de Praga e Varsóvia deveriam assinar a linha pontilhada e enviar o documento de volta.

Na verdade, o sistema de defesa antimísseis era impopular naquela época, e continua sendo impopular, em toda a Europa. Os poloneses e os tchecos aceitaram as bases dos Estados Unidos porque elas trariam tropas norte-americanas para os seus territórios. Mas eles desejavam tropas norte-americanas em seus territórios apenas porque dois presidentes sucessivos dos Estados Unidos recusaram-se a investir na presença da Otan na Europa Central, e não se mostraram muito interessados em fazer qualquer coisa mais na Europa. Isso gerou um certo temor de que os Estados Unidos não estariam muito comprometidos com os preceitos básicos do tratado da Otan - um ataque contra um país membro é um ataque contra todos -, conforme ocorria antigamente. A secretária de Estado Hillary Clinton empenhou-se em negar que fosse este o caso - mas em um momento em que os russos e outros estão fazendo pesados investimentos militares, esta continua sendo, assim mesmo, a percepção generalizada.

Tudo isso remete a um paradoxo: na Europa, o presidente Obama ainda é o líder dos Estados Unidos mais popular na memória recente. Mas ele não conseguiu capitalizar a sua popularidade, em parte porque não foi capaz de usá-la. A sua única mensagem na Europa até o momento - "enviem mais tropas ao Afeganistão" - tem sido apagada pela sua própria ambivalência em relação à missão afegã. Ele não tentou convencer ninguém de que repensou a questão afegã, e ele não apresentou nenhuma outra tarefa conjunta de segurança às maiores e mais poderosas democracias do mundo. Para quem não conhece os detalhes do jogo, ele poderia dizer aos seus amigos europeus que não apareceria mais em nenhuma foto com eles casos estes não concordassem em conversar sobre os planos de contingência e os exercícios conjuntos da Otan que a aliança abandonou anos atrás.

Não é preciso dizer que os europeus também têm culpa. O início de um novo governo representou uma oportunidade para que eles começassem tudo de novo, para que trouxessem ideias à Casa Branca, em vez de esperarem que a Casa Branca se manifestasse primeiro. Castigados pela recessão, ainda incapazes de falar com uma voz única, os europeus continuam plácidos e passivos, como sempre, quanto à sua própria defesa. E, sim, é possível que até mesmo o presidente dos Estados Unidos mais popular na memória recente não seja capaz de fazer com que eles se sentem e prestem atenção nos perigos potenciais de uma chantagem da Rússia no setor de energia, de um Irã nuclear ou do terrorismo internacional nos seus próprios quintais. Mas seria bem mais reconfortante se Obama estivesse pelo menos tentando.

Tradução: UOL

Anne Applebaum

Jornalista escreve sobre política norte-americana e assuntos internacionais.

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