Tossindo, espirrando e espalhando rumores

Anne Applebaum

Anne Applebaum

Ontem de manhã acordei com dor de garganta e mencionei o fato a um amigo. "Gripe suína?", ele perguntou, grunhindo algumas vezes para dar ênfase. Não, até onde eu sei, não estou com gripe suína, mais formalmente conhecida como H1N1. Mas, mesmo se estivesse, não sei se alguém a minha volta levaria isso muito a sério.

Como chegamos a esse ponto? Digo, como chegamos a um ponto em que surtos tratados com a maior seriedade pela Organização Mundial da Saúde - a gripe suína foi oficialmente declarada uma pandemia - recebem níveis tão diferentes de respeito em diferentes países, diferentes cidades e até entre diferentes grupos sociais? Alguns parecem estar convencidos de que a atual epidemia de gripe é uma versão moderna da Peste Negra. Outros - inclusive alguns políticos e burocratas da saúde - suspeitam de uma farsa perpetrada por empresas farmacêuticas suíças. Ainda que uma grande variedade de reações tenha se apresentado desde que a doença surgiu pela primeira vez na primavera, a incapacidade de chegar a qualquer consenso global sobre como a gripe suína deveria ser tratada está produzindo um número de reações médicas proporcional ao de governos nacionais.

Veja a Ucrânia, por exemplo, onde a consciência pública passou de "zero" neste verão para "pânico" no outono. No fim do mês passado, políticos começaram a falar em doença em massa e morte em massa. O governo deixou várias províncias de quarentena, fechou o parlamento e proibiu aglomerações. Quando a poeira começou a baixar na semana passada, parecia ter havido um pequeno surto de gripe suína, mas a maioria das pessoas que ficaram doentes não tinham o vírus H1N1. Até agora, os índices de morte por gripe suína na Ucrânia não são mais altos do que os de gripe comum ou de pneumonia em anos anteriores.

Mas nada disso impediu que o pânico da gripe se espalhasse mais rápido do que o próprio vírus - ainda que, mais uma vez, os vizinhos da Ucrânia tenham se comportado de forma diferente. A Eslováquia fechou a maior parte de suas fronteiras com a Ucrânia. A Hungria não fechou suas fronteiras, mas lançou uma campanha maciça de vacinação. A Polônia não fez nada disso, e até agora não comprou nenhuma vacina, baseando-se na ideia de que a gripe suína é na verdade mais benigna do que a gripe comum, e que, portanto, a vacina poderia causar mais danos do que benefícios.

Cada um desses países deu diferentes explicações médicas para suas ações, e cada explicação médica é vista como uma fachada para maquinações políticas, ao menos pelos opositores do governo. Na Ucrânia, uma segunda onda de rumores agora sustenta que o pânico da gripe foi espalhado por um ou mais candidatos à Presidência (as eleições serão em janeiro) para obter vantagens; o atual presidente acusou a primeira-ministra, que aspira à Presidência, de gastar mais em sua campanha eleitoral do que em medidas contra a gripe.

Na Hungria, a desconfiança geral de um governo muito impopular levou à recusa maciça em usar a vacina comprada a um alto preço. Na Polônia, alguns acusam o Ministério da Saúde de pura sovinice. A politização da resposta à doença não é exclusividade do Leste Europeu; muito menos as discussões sobre quem recebe qual tratamento. Nos Estados Unidos, um protesto se seguiu à notícia de que funcionários da Goldman Sachs e do Citigroup teriam recebido suas vacinas antes dos outros; um escândalo parecido surgiu na Alemanha, quando foi revelado que dois tipos de vacina estavam disponíveis - e que aquela considerada "mais segura" iria para os oficiais do governo e para os militares. Poucas das democracias do mundo evitarão um debate partidário a respeito da resposta à doença nesta temporada de gripe, ao passo que poucas das autocracias do mundo evitarão boatos.

Escrevi anteriormente que um toque de pânico midiático não faz mal a ninguém - pelo menos ele ensina às pessoas sobre o que a doença em questão pode ser - mas o que estamos vendo agora é algo diferente - não é pânico midiático, é pânico oficial, informação inconsistente e rápidas mudanças de políticas que parecem inspiradas por exigências políticas, não necessidades médicas. Na verdade, quase ninguém, em lugar nenhum, pensou a fundo sobre a logística ou a moralidade da rápida distribuição de vacinas. Na verdade, quase ninguém sabe o que pensar sobre a OMS e seu site. Seria a palavra "pandemia" somente burocratês médico para uma tosse e uma dor de garganta? Ou isso significa que todos que não tomarem a vacina morrerão?

Presume-se que a resposta está em algum ponto intermediário, mas a OMS ainda não descobriu como explicar isso. Nem a maioria dos governos nacionais. Você pode treinar quantos médicos quiser, mas se eles não conseguirem explicar ao público conceitos como "grupos de alto risco" e "probabilidade" e "algumas pessoas realmente precisam desta vacina, mas a maioria não", então qualquer epidemia, seja ela grave ou amena, se tornará um desastre de relações públicas. Até agora, a gripe suína não é considerada uma emergência médica, ainda que ninguém diga isso muito claramente. E se ela se tornar uma, como saberemos?

Tradução: Lana Lim

Anne Applebaum

Jornalista escreve sobre política norte-americana e assuntos internacionais.

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