O sentido e a segurança

Anne Applebaum

Anne Applebaum

Todos vocês que viajam com frequência conhecem a rotina. Tirem os sapatos, por causa de Richard Reid, o homem do sapato-bomba. Retirem o gel de cabelo de suas mochilas, por causa dos terroristas que pretendiam causar explosões em Heathrow usando peróxido de hidrogênio líquido. Quando estiverem no avião, a partir de agora também deverão se preparar para tirar cobertores do seu colo antes do pouso - azar o seu se estiver dormindo! - por causa do terrorista da cueca no Natal.

Umar Farouk Abdulmutallab

  • AFP PHOTO / HO / MIKE RIMMER


Quando alguém inventar uma forma de esconder pó explosivo dentro de um porta-escova de dentes, prepare-se para tirar suas escovas de dentes também. E aproveite para cruzar os dedos quando entrar no avião. Mas nunca, em momento algum, imagine que a lenga-lenga desses procedimentos dos aeroportos garantirá sua segurança, uma vez que ninguém sabe quais dessas medidas são necessárias, se é que alguma delas é.

Pior, ninguém tem nenhum incentivo financeiro ou político para descobrir. Desde sua criação apressada e extremamente politizada, o fato é que nem as prioridades, nem os padrões de gastos do Departamento de Segurança Interna e de seu parceiro, a Administração da Segurança de Transportes, nunca foram submetidos a um escrutínio rígido. Eles nunca foram obrigados a fazer escolhas difíceis. Pelo contrário, ambos foram incentivados, por seus partidários no Congresso, a gastar dinheiro em equipamentos mais sofisticados todos os anos, em reação a cada nova ameaça percebida, real ou não. Então scanners de corpo inteiro, inaceitáveis até o verão passado, agora serão rapidamente colocados em uso. Em apenas alguns anos - sob uma administração republicana e uma maioria de republicanos no congresso - essas instituições passaram a ser burocracias amplas e incontroláveis, sendo que algumas de suas atividades possuem apenas uma relação distante com a segurança pública.

Então se tornou hábito repetir listas velhas e familiares de projetos públicos ridículos, cuja litania os leitores não suportam ler mais uma vez, podendo pular para o próximo parágrafo. Porque sim, é verdade: tendo começado com 13 empregados em janeiro de 2002, a AST agora emprega 60 mil, e no processo de sua opulenta expansão, a organização descobriu que tinha dinheiro para todos os tipos de despesas extras. Como escrevi em 2005, cerca de US$ 350 mil de seu orçamento de US$ 6 bilhões foram gastos em uma academia de ginástica; US$ 500 mil foram para obras de arte e plantas artificiais; e incontáveis milhões são gastos todos os anos em excesso de contratação, já que a determinação de quando haverá longas filas de segurança em um aeroporto nunca foi realmente o tipo de coisa no qual o governo federal se destacou.

Quanto ao Departamento de Segurança Interna, seu orçamento de 2010 chega a US$ 55 bilhões, parte do qual (segundo o que escreveu a economista Veronique de Rugy em 2006) será invariavelmente gasto em coisas como: a unidade de descontaminação de US$ 63 mil na parte rural de Washington, para cujo uso ninguém foi treinado; mais trajes bioquímicos para o Condado de Grand Forks (North Dakota) do que policiais para usá-los; e US$ 557.400 em equipamentos de resgate e comunicação dos quais aparentemente os cerca de 1.500 residentes da cidade de North Pole (Alaska) precisavam. Sem falar no que é gasto nas "necessidades" dos eleitores de outros membros importantes do Congresso.

Mas não são os funcionários do DSI e da AST que são culpados por esse tipo de decisão. Desde o início, especialistas em segurança e até seus próprios inspetores, vêm apontando para o absurdo dos padrões de gastos da AST e do DSI, muitos dos quais são causados pela mais recente história de horror (gostaria de ter estado presente na festa de comemoração de Ano Novo que os fabricantes desses scanners de corpo inteiro certamente deram). E desde o começo, o Congresso combateu as críticas, alocando dinheiro repetidamente em projetos locais desnecessários, reagindo a notícias sensacionalistas, gastando dinheiro de formas que convêm a seus membros e depois se declarou chocado - chocado! - ao descobrir que nosso aparato de segurança interno multibilionário foi incapaz de impedir um nigeriano claramente perturbado de embarcar em um avião que ia para Detroit.

Entenda como funciona o scanner corporal



Imagine se, em vez disso, os vastos orçamentos da AST tivessem sido dedicados à criação de uma rede de computadores de última geração, que poderia ter avisado na hora os oficiais de segurança em Amsterdã a respeito do alerta dado pelo pai do terrorista da cueca. Imagine se, em vez de scanners de corpo inteiro por raio-X ou da privação de cobertores durante o voo, tivéssemos oficiais consulares bem pagos e treinados em locais como a Nigéria. Mesmo assim a segurança não seria perfeita. (Nem tenho certeza de que o terrorismo aéreo seja a pior coisa com a qual devemos nos preocupar) Mas faria sentido ter um sistema menor, menos custoso e com menos desperdícios. Faria sentido ter um sistema baseado em riscos reais e prioridades, em vez de histórias que aparecem nos canais de notícias a cabo. Faria sentido lutar a próxima batalha, para variar, em vez da última. Entretanto, sentido não é um critério pelo qual o dinheiro público é gasto neste país - e há muito tempo que ele não é.

Tradução: Lana Lim

Anne Applebaum

Jornalista escreve sobre política norte-americana e assuntos internacionais.

UOL Cursos Online

Todos os cursos