Cidade simboliza o fracasso da guerra antidrogas no México

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

Não é que a violência seja novidade em Ciudad Juarez no norte do México. Enquanto cidade de fronteira, na divisa com El Paso, no Texas, ela sempre teve um ar de velho oeste. É onde estão concentradas as grandes fábricas de montagem (as “maquiladoras”) e onde existe, há décadas, a rota mais importante do tráfico de drogas para os Estados Unidos.

Foi lá também que as “Mulheres de Juarez” foram assassinadas às dúzias no começo dos anos 90. E onde chefões do tráfico como Amado Carrilo fizeram sua fama, fortuna e reputação cruel no final dos anos 80 e começo dos 90.

  • 05.11.2007 -Daniel Aguilar/Reuters

    Soldado militar carrega pacotes de cocaína em base naval, na cidade de Manzanillo, no México

Mas de certa forma a cidade hoje se tornou um símbolo do fracasso da guerra contra as drogas no México, e os fatos recentes enfatizam as contradições de um conflito que se transformou numa batalha infrutífera.

A primeira contradição é o crescente nível de violência em Juarez – até mesmo para os padrões do local: no ano passado, mais de 2.600 pessoas foram assassinadas na cidade de 1,5 milhão de habitantes, e os números continuam aumentando. Embora 6.000 soldados do exército tenham sido enviados ao local há um ano, bem como policiais federais – numa demonstração da guerra do México contra o tráfico de drogas – para patrulhar em conjunto a área e lutar contra o narcotráfico, a situação não melhorou.

Em outras palavras, a contradição está no fato de os níveis de violência terem aumentado com a presença exponencialmente maior dos militares e da polícia. Pesquisas locais mostram que os habitantes da cidade não se sentem mais seguros ou protegidos desde que o exército foi para lá, e alguns grupos empresariais até pediram para que a ONU envie seus soldados boinas azuis para trazer a paz de volta à comunidade.

O presidente mexicano Felipe Calderón ordenou uma retirada progressiva dos militares do centro para os arredores no começo de março, substituindo os soldados por novos recrutas da Polícia Nacional, que, apesar de não estarem necessariamente em operação, aparentemente são especializados em operações de inteligência. Mas pode ser que esse plano não seja mais viável.

Portanto, não foi a violência prévia que trouxe os militares, mas os militares que trouxeram um aumento da violência, como aconteceu em várias outras partes do país.

A segunda contradição: as autoridades mexicanas explicam a selvageria do narcotráfico no país – só em janeiro, houve mais de 900 execuções em todo o território – como resultado da carnificina da guerra entre quadrilhas. Mas desde 2006, quando Calderón declarou sua guerra contra as drogas, houve mais de 17 mil assassinatos em todo o México, dos quais apenas poucos milhares foram analisados por um legista, levaram a uma investigação da cena do crime, ou desencadearam acusações, quanto menos condenações.

Então este não é um argumento válido. É o equivalente a dizer que, se os mortos são membros de cartéis, os responsáveis por seus assassinatos não precisam ser identificados, julgados e presos.

Chefes do tráfico colecionam excentricidades no México

O massacre em Juarez de cerca de 15 pessoas – a maioria adolescentes – que comemoravam um aniversário nas primeiras horas do dia 31 de janeiro foi inicialmente atribuído à guerra de quadrilhas por Calderón, mas ele logo retirou o que disse depois que os pais das vítimas protestaram contra suas declarações e sustentaram a inocência de seus filhos assassinados.

É possível que os jovens de fato fossem expectadores inocentes, ou então que tudo tenha sido um caso de identidade equivocada, mas a ideia de que a proliferação de execuções é uma prova do medo e da fraqueza dos cartéis e do sucesso do governo, é ridícula e hipócrita.

O governo argumenta, na mesma linha, que a crescente desordem nas cidades de todo o país – sequestros, extorsão, roubo armado, roubos de carros – é um subproduto de seu sucesso em pressionar os cartéis.

É impossível não pensar, se isso for verdade, que teria sido melhor deixar os cartéis colombianos continuarem traficando diretamente para os Estados Unidos, deixando o México em paz.

Se o custo da guerra para reduzir a quantidade de cocaína e metanfetamina que passa pelo México em direção aos consumidores dos EUA é um aumento incrível da violência e do crime no México, então os méritos de todo o empreendimento são dúbios. Enquanto isso, não há prova real de que o apetite por drogas dos EUA tenha diminuído, nem de que outras rotas estejam se tornando mais populares, e de que este suposto sucesso na guerra contra as drogas seja um fenômeno duradouro.

Calderón prometeu introduzir uma nova estratégia “integral” para reverter o colapso da lei e da ordem na cidade. Com isso parece que ele tem em mente programas sociais, estímulo econômico e participação cívica. Todos objetivos válidos. Então, porque isso não foi pensado antes? E será que funcionará agora?

Alguns sugeriram que fosse declarado estado de sítio na área, e outros apontam para o exemplo do presidente Alvaro Uribe da Colômbia, que pelo menos uma vez por mês sai de seu gabinete para governar o país a partir de uma comunidade afligida pelas drogas ou violência. Calderón visitou Ciudad Juarez apenas duas vezes em seus 38 meses no governo. Mas alguns moradores da cidade duvidam que a presença presidencial mais assídua seja uma boa ideia – a essa altura do campeonato.

Por enquanto, as pessoas de Ciudad Juarez estão pagando um preço alto para uma guerra declarada por motivos políticos, e que não forneceu nenhum benefício tangível para ninguém.

Tradutor: Eloise De Vylder

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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