Não falhe no teste de Copenhague

Mikhail Gorbachov

Mikhail Gorbachov

Enquanto a reunião de cúpula do clima avança em Copenhague, está cada vez mais claro que há mais em jogo do que o meio-ambiente.

A crise ambiental global está no centro de praticamente todos os problemas que hoje nos confrontam, inclusive a necessidade de criar um modelo econômico global baseado no bem público. Está diretamente ligada a questões de segurança e a conflitos étnicos e internacionais cada vez mais perigosos; a migrações em massa que já estão abalando a estabilidade política e econômica; à pobreza crescente e à desigualdade social; à crise de água e energia e à falta de alimentos.

Conferência do Clima COP15

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As desculpas e pretextos para não agir sobre o meio ambiente e as afirmativas que existem problemas mais importantes simplesmente não são mais críveis. Se fracassarmos neste problema, fracassaremos em todos os outros.

Salvar nosso planeta deve ser uma tarefa compartilhada por governos, empresas, comunidades científicas e a sociedade civil. Cada acionista nesta nobre causa tem um papel a desempenhar. A principal carga de responsabilidade, contudo, está com os governos e suas instituições.

Os governos podem estabelecer padrões e normas firmes que são indispensáveis no combate à mudança climática. Somente o Estado é capaz de mobilizar recursos e incentivos para implementar tecnologias de ponta. Somente o Estado pode ajudar os que estão mais vulneráveis à mudança climática.

Representantes de diferentes países estão reunidos em Copenhague para abrir um novo palco de cooperação internacional sobre mudança climática. Dependendo da atuação deles, será um começo forte e convincente ou fraco e decepcionante.

A mais recente pesquisa sobre mudança climática é profundamente perturbadora. Temos uma verdadeira emergência. Ainda assim, o fosso entre a ciência e a política continua aumentado, assim como o fosso entre as negociações e a urgência da questão.

A ciência indica que o aumento de temperatura global deve ser limitado a um ou dois graus Celsius. Os líderes mundiais endossaram esta visão na reunião do G-8 na Itália em julho. Mesmo com esse limite, é provável que haja uma grande destruição, inclusive com o desaparecimento da maior parte dos recifes de corais do mundo.

Ainda assim, os compromissos políticos concordados pelos negociadores envolvidos nas negociações de Copenhague virtualmente garantem um aumento de temperatura de cerca de 4º Celsius -na faixa de risco catastrófico.

Por que isso está acontecendo? Por diversas razões: pela inércia do atual modelo econômico, baseado nos lucros e consumo excessivos; pela incapacidade dos políticos e empresários em pensar no longo prazo; pelo temor que a redução das emissões de carbono vai minar o crescimento econômico. Os que não querem mudanças estão explorando essa preocupação.

Como deixou abundantemente claro a crise financeira global, os esforços para tornar o mundo sustentável para a geração presente e futura não minam a economia. O culpado é bem diferente: a busca irresponsável pelo lucro a qualquer preço, a fé cega na "mão invisível do mercado" e a inação do governo.

O que é necessário é uma busca por novos motores de crescimento e incentivos ao desenvolvimento econômico.

A transição para uma economia de baixo carbono e baixo desperdício vai criar indústrias qualitativamente novas e verdes, tecnologias e empregos.

Uma economia de baixo carbono é apenas parte de um novo modelo econômico, que o mundo precisa tanto quanto o ar que respiramos.

Não seria realista esperar mudanças da noite para o dia em um modelo econômico que prevaleceu por meio século. A transição para um novo modelo requer uma mudança de valores.

A economia global precisa ser reorientada para o bem público; precisa enfatizar questões como um ambiente sustentável, saúde, educação, cultura, oportunidades iguais e coesão social - inclusive reduzindo os vãos chocantes entre a riqueza e a pobreza.

A sociedade precisa disso e não apenas como imperativo moral. A eficiência econômica de enfatizar o bem público é enorme, apesar de os economistas ainda não terem descoberto como medi-la. Precisamos de um avanço intelectual para construirmos um novo modelo econômico.

Também precisamos de um realinhamento moral da comunidade empresarial. As empresas e seus principais executivos tendem a definir suas posições para questões ambientais com uma visão de curto prazo ou, na melhor das hipóteses, no médio. Empresas responsáveis social e ambientalmente ainda são exceção e não a regra. São necessárias mudanças em todo o sistema de impostos, subsídios e incentivos.

A sociedade civil também precisa ter um papel maior. Precisa se tornar não apenas um acionista, mas participante plena na tomada de decisões que vai formatar o ambiente e a economia nas próximas décadas.

Em Copenhague, vamos observar de perto os líderes políticos. Mais de 60 chefes de Estado farão ali um teste de liderança pessoal. Vimos como seria fácil fracassar. As semanas e meses que se seguem oferecem a eles uma chance de demonstrar que podem de fato liderar.

Tradução: Deborah Weinberg

Mikhail Gorbachov

Mikhail Gorbachov foi o último presidente da extinta União Soviética e um dos responsáveis pelo fim da guerra fria. Ambientalista, Gorbachov já foi agraciado com o prêmio Nobel da paz.

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