Os vampiros de Henry James

Tomás Eloy Martínez

Tomás Eloy Martínez

O sucesso desmedido de "Twilight" ("Crespúsculo"), 2005, primeiro volume da saga ainda incompleta de Stephenie Meyer, ressuscitou o mito do vampiro, que alude à ânsia de imortalidade dos seres humanos e a busca de respostas no além para os problemas que não se consegue resolver no lado de cá da vida.

Os quatro livros que Meyer publicou até agora abriram as comportas para uma torrente de continuadores do conde Drácula. A maioria introduz poucas variações nas já clássicas histórias de Bram Stoker e Sheridan Le Fanu, que iniciaram o gênero na Inglaterra vitoriana.

É uma lástima que essa moda generosa tenha esquecido Henry James, cujos vampiros não bebem o sangue dos seres humanos nem saem de suas tumbas quando cai a noite. São mais sutis e inteligentes: a imortalidade não os interessa, mas sim o domínio absoluto do ser amado.

Entre 1881 e 1904, Henry James publicou uma dezena de livros que levaram o gênero a seu estado de perfeição e o prepararam para as transformações do século 20. Já é lugar comum afirmar que James foi uma das pedras fundamentais da narração moderna, junto com Marcel Proust, Franz Kafka e James Joyce. A precisão matemática de suas intrigas, o hábil desenvolvimento das tramas laterais e a eleição de um ponto de vista dominante para ordenar todas as hierarquias do relato já foram ponderadas.

Mas talvez a principal contribuição de James à novela seja a criação de realidades que estão sempre em dúvida. Tudo o que acontece poderia ser de uma maneira ou de outra. O leitor, assim, tem que decidir qual é o verdadeiro lugar de cada coisa e quando os sentimentos se desviam de seu curso e se transformam em nada.

Ele era acometido por um certo incômodo ao narrar a vida sexual de seus personagens. O vampirismo foi um dos procedimentos oblíquos que permitiu a ele tocar a fundo no tema. Em "Washington Square" (1881), o vampiro Morris Towsend é afugentado, a um passo de se apoderar de sua presa, pelas intrigas de Lavinia Penniman, tia de Catherine Sloper, a vítima. Quando Catherine consegue se recuperar, a decepção e o passar do tempo já a fizeram definhar, e Morris, por sua vez, perdeu por completo suas habilidades de sedução.

Em "The Turn of the Screw", 1898 ("A Outra Volta do Parafuso"), a possessão das crianças por espíritos do mal - o fantasma dos criados - assume uma forma que parece sexual; em "The Ambassadors", 1903 ("Os Embaixadores"), uma mulher inteligente e de bom gosto se vale do sexo para transmitir essas qualidades a seu amante vulgar.

Mas a apoteose do vampirismo é "The Sacred Fount", 1901 ("A Fonte Sagrada"), uma novela breve que os contemporâneos de James ignoraram, porque a consideravam apenas um jogo de espelhos nos quais a realidade não era refletida. Talvez não seja um acaso o fato de que "The Sacred Fount" tenha sido escrita num quarto privativo do Reform Club, de onde James pode observar os funerais da rainha Victória. Toda uma época chegava a seu fim.

James não descreve nem dá o nome do narrador de sua novela. Apresenta-o de maneira difusa quando ele toma o trem para Newmarch na estação de Paddington. Foi convidado para ir a Newmarch para passar o fim de semana. No mesmo vagão viaja Gilbert Long, a quem o narrador sempre viu como um idiota vaidoso, e também a senhora Brissenden, que ficou mais bela e jovem desde a última vez em que a encontrou. O narrador fica confuso com essa transformação. Como é possível que a Sra. Brissenden, uma mulher tão grisalha e pouco atraente, tenha embelezado em plena maturidade? Como pode ter alcançado uma segunda juventude?

Pela conversa entre Long e o narrador, o leitor fica sabendo que ela se casou com um homem muito mais jovem. Tem mais de 40 anos, mas parece ter 25. Long, por sua vez, que era um "Adonis vulgar e antipático", não só se tornou cordial, mas também mostra sinais de perspicácia e inteligência. Quando os personagens chegam ao destino, o tema central do livro já foi desdobrado por completo. A Sra. Brissenden parece ter drenado a vitalidade de seu marido, tornando-se mais jovem e mais bela.

Imediatamente o narrador coloca sua atenção em outra mulher, May Server, que poderia ser a fonte da juventude mental de Long. Este pintou seu retrato quando ela era uma mulher de grande beleza e paz; agora flerta incansavelmente com todos os homens da festa, num esforço patético para encontrar os restos dessa beleza no olhar dos outros.

Das ambiguidades de Henry James é possível deduzir não só uma estética mas também uma metafísica. Todo leitor familiarizado com "A Outra Volta do Parafuso", "Daisy Miller" (1879), "The Portrait of a Lady", 1881 ("Retrato de uma Senhora") e "Washington Square" (1880) - suas obras mais difundidas - sabe que nenhuma dessas obras têm um só sentido, e que só na ambiguidade encontram sua razão de ser.

Da mesma maneira, a ideia de imortalidade que inquieta a James alude à imortalidade da consciência. Para um espírito tão pouco religioso como o seu, a morte é "conclusão e extinção bem-vinda", ou, ao contrário, é "renovação do interesse e do desejo".

Por sua complexidade e a delicadeza de execução, a obra de James tem poucos herdeiros. Há três décadas, uma crítica inglesa supôs que "The Sleepwalkers" ("Os Sonâmbulos" - "Die Schlafwandler", 1932), do austríaco Hermann Broch poderia ser um derivado do último James.

Mais próximos de seu espírito estão certos latino-americanos taciturnos como o autor argentino José Bianco, o escritor mexicano Sergio Pitol e o argentino Adolfo Bioy Casares, escritor de "Moscas y Arañas".

A grandeza de James está cheia de omissões e inexistências, e o não dito enriquece suas ficções mais do que o dito. Em épocas tão pouco propícias para as elipses como as que o sucederam, o exercício de uma arte como a sua parece pouco possível.

James conduziu a novela a um de seus limites, esgotou esse limite mediante uma incessante exploração e saltou para o outro lado. Para segui-lo na aventura, teria sido necessário ter seu gênio, viver sua vida, escrever pela segunda vez suas ficções.

Tradução: Eloise De Vylder

Tomás Eloy Martínez

Morto em 31 de janeiro de 2010, o argentino Tomás Eloy Martínez, analista político e escritor, escreveu livros como "O voo da Rainha" e "O Cantor de Tango".

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