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A Cara da Democracia

OPINIÃO

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Bolsonaro parte para o confronto na volta de Calheiros à cena nacional

27.abr.2021 - Relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) discursa na abertura da comissão - Jefferson Rudy/Agência Senado
27.abr.2021 - Relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) discursa na abertura da comissão Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

11/05/2021 04h00

Luciana Santana*

Não é a primeira vez que políticos alagoanos ganham destaque no cenário político nacional. Pelo contrário, é algo muito recorrente desde o império. Este ano veio em dose dupla. Primeiro com a eleição de Arthur Lira (Progressistas-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados e agora com a indicação de Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado criada para investigar a omissão do Governo Federal no enfrentamento da Covid-19 no país, além do uso que estados e municípios fizeram dos recursos repassados para esse fim.

Desde que o nome de Calheiros veio à público como alternativa para assumir a função de relator ocorreram várias movimentações políticas com o intuito de evitar a sua indicação, tanto por parte de aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto de desafetos da política local alagoana. A última cartada ocorreu um dia antes da instauração da CPI, com o deferimento dado pelo juiz federal Charles Renaud Frazão de Moraes à ação popular ajuizada pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) para impedir o senador para relatoria da comissão. Mas as estratégias a favor de Bolsonaro não foram bem-sucedidas até aqui e o parlamentar foi anunciado para o cargo pelo presidente eleito da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Incômodos de Bolsonaro com o relator

Todavia, o desconforto da ala governista não diminuiu, como ficou perceptível pelas ironias e ataques pontuais feitos tanto por senadores bolsonaristas ao longo das primeiras sessões de depoimentos, quanto pelas proferidas do próprio presidente da República. Em sua última live semanal, ocorrida no dia 06 de maio, Bolsonaro fez críticas aos trabalhos da CPI e enviou um recado direto para Renan Calheiros afirmando que teriam ocorrido desvios de recursos em Alagoas, estado governado por seu filho, Renan Filho (MDB). Pediu ainda que o governador fosse investigado pela Comissão: “Sabe o que eu diria para o senador? Prezado senador, frase não mata ninguém. O que mata é desvio de recurso público, que seu estado desviou. Vamos investigar seu filho que a gente resolve o problema. Desvio mata. Frase não mata”.

A resposta veio rapidamente no final da sessão da CPI que ainda estava em andamento no Senado. O relator voltou a pontuar que a inércia no enfrentamento da pandemia deixou de salvar vidas e pediu que não se gastasse o tempo investigando o governo de Alagoas, mas se “houver necessidade, todos serão investigados, sem exceção”.

O ataque inusitado a Renan Filho deixa em evidência os traços de bipolaridade política do presidente, já que dias antes da CPI ser instalada, o presidente ligou para o governador em busca de aproximação com o senador Renan Calheiros. Se o presidente diz que há desvios de recursos em Alagoas, o contato não faria nenhum sentido.

Papel da CPI e as preocupações do governo

Sabe-se que uma CPI é um instrumento importante à disposição dos parlamentares para investigar fatos de grande relevância para o país e, embora tenha poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, uma CPI não pode determinar condenações aos investigados. Entretanto, o desgaste e os custos políticos são altos para os principais investigados, especialmente se comprovada a responsabilidade no fato.

As preocupações do governo voltam-se para isso, já que o presidente é candidato natural à reeleição. Sendo comprovada a irresponsabilidade de seu governo na gestão da pandemia, as chances de êxito eleitoral em 2022 podem ir por terra.

E qual a alternativa do governo? Desviar as atenções sobre o seu governo e direcioná-las para os seus algozes já escolhidos desde o início da pandemia, os governadores. E os senadores bolsonaristas tem se dedicado a isso. Não é à toa que o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) tem apresentado pedidos para que governadores sejam investigados na CPI pela aquisição frustrada de respiradores pelo Consórcio Nordeste. E, como seria de esperar, desafetos políticos locais de Calheiros tem se esforçado para ajudar nesta empreitada com o objetivo de respingar no governador alagoano.

Dividir a responsabilidade e os custos da trágica condução da pandemia com os entes federados seria o ideal, pois alimentaria as narrativas do Presidente e de seus apoiadores e reduziria possíveis danos a sua eleição.

CPI e desafetos políticos de Calheiros

Bolsonaro poderia escolher vários alvos para atingir seu objetivo de interferir nos rumos da CPI, mas o estado do relator Renan Calheiros tem um significado especial para o presidente. O Nordeste é uma região estratégica para as investidas políticas de Bolsonaro, e na capital alagoana ele atingiu 61,63% de votos válidos na disputa de segundo turno contra Fernando Haddad (PT), em 2018.

Outro ponto é a proximidade de Renan Calheiros com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o potencial concorrente mais forte para as eleições de 2022, e que apresenta boas chances eleitorais segundo as pesquisas de opinião desde que voltou a ser elegível. Os ataques a Calheiros podem servir para reforçar o antipetismo no país.

No âmbito local, se os Calheiros fragilizam-se, as oportunidades para os aliados do presidente ampliam-se, especialmente na eleição para governador e senador no próximo ano. Renan Filho está em seu segundo mandato como governador, deve renunciar ao mandato e disputar o Senado. Além disso, dois nomes centrais na disputa local em 2022 estão ao lado de Bolsonaro e em oposição ao senador emedebista, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira e o senador Fernando Collor de Melo (PROS). Deste modo, o contexto político local tem se refletido no contexto nacional.

Uma fênix na política

Renan Calheiros já demonstrou ser uma fênix na política: já virou cinzas algumas várias vezes, manteve-se discreto por um tempo, mas sempre conseguiu renascer. Percebe-se que o político que já participou de quase todos os governos desde a redemocratização (as exceções são os governos Temer e Bolsonaro), não brinca em serviço. Agora, como relator da CPI, ele tem incomodado e sido confrontado pelos bolsonaristas. Resta-nos saber qual será o resultado deste novo capítulo da política brasileira.

*Luciana Santana é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, pesquisadora do Observatório das Eleições, e atualmente coordena o projeto: governos estaduais e ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19, em parceria com a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).