Não foi de graça: presos no 8/1 relatam ter recebido dinheiro para ir ao DF

Desempregado e sem fonte de renda, Douglas Augusto Pereira, 34, decidiu se juntar a um acampamento de manifestantes bolsonaristas no 14º Grupo de Artilharia de Campanha, quartel do Exército em Pouso Alegre (MG), cidade onde reside. Após permanecer algum tempo no local, Douglas estreitou relações com os demais participantes até receber um convite para viajar na companhia deles a Brasília.

Os acampados no quartel planejavam participar de um ato antidemocrático convocado nas redes sociais para o dia 8 de janeiro contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem trabalho, Douglas topou a oferta quando soube que receberia dinheiro para viajar: aproximadamente R$ 1.200, em dinheiro vivo e em transferências via pix.

Esse relato foi feito por ele próprio em depoimento à Polícia Federal, após ter sido detido por causa do ato antidemocrático do dia 8 de janeiro. Douglas admitiu ter recebido os repasses dos manifestantes que também estavam acampados no quartel de Pouso Alegre e forneceu aos investigadores os dados da sua conta.

"O pessoal que estava acampado em frente ao 14° GAC, em Pouso Alegre/MG, realizou uma 'vaquinha' para arrecadar recursos que custearam a vinda do interrogado", contou à PF. Prosseguiu no seu relato: "Recebeu, aproximadamente, R$ 1200,00 (mil e duzentos reais) em espécie e PIX". Questionado sobre os financiadores, Douglas respondeu: "Recebeu os recursos de diversas pessoas, não tendo uma responsável pela arrecadação".

O caso desse bolsonarista não é isolado. Nos depoimentos à Polícia Federal, diversos presos no 8 de janeiro disseram terem recebido doações em dinheiro para viajar a Brasília ou relataram que foram disponibilizados ônibus gratuitos para a viagem, pagos por empresários ou pessoas desconhecidas. Entre os dias 8 e 9 de janeiro, a PF prendeu 1.800 pessoas - presas em flagrante no ataque às sedes dos Poderes ou no acampamento em frente ao QG do Exército. Na noite de ontem, data do balanço mais recente, ainda restavam 294 pessoas presas.

O UOL obteve e analisou, durante a última semana, cerca de 1.000 depoimentos sigilosos prestados à Polícia Federal por extremistas presos no acampamento no quartel-general do Exército, logo após o 8 de janeiro

• Reportagem publicada ontem mostrou que uma deputada foi citada por um dos presos como organizadora da viagem de bolsonaristas a Brasília para participar do ato antidemocrático
• A série de matérias também revelou que presos disseram terem viajado a Brasília em ônibus disponibilizados por igrejas evangélicas

Nos depoimentos, os presos evitaram apresentar detalhes como a identidade dos financiadores de suas viagens. Este tipo de depoimento, colhido logo após a prisão das mais de 1.400 pessoas, não costuma trazer muitos detalhes. A PF, entretanto, apreendeu telefones celulares, o que deve permitir o aprofundamento das investigações, cruzando seus dados com as informações colhidas no momento da prisão.

A informação de pagamentos para participação no ato antidemocrático do dia 8 de janeiro fortalece a suspeita dos investigadores de uma estrutura financeira por trás do ato. Além dos ônibus gratuitos, a alimentação também era fornecida gratuitamente no quartel-general do Exército em Brasília, conforme depoimentos dos próprios presos.

Uma moradora de Espírito Santo que estava acampada no quartel-general de Vila Velha, Santa Dias Pereira, 51, confessou à Polícia Federal que "recebeu doação para se deslocar a Brasília". Ela se define como do lar e diz que não tem trabalho remunerado, mas viajou graças à oferta gratuita. As circunstâncias desse financiamento, entretanto, não são apresentadas em detalhes. "Chegou um cara no QG de Vila Velha dizendo que era empresário e que outros empresários juntos com ele iriam financiar a vinda", relatou à PF.

Outro preso, izaías Roberto da Silva, 53, de Americana (SP), afirmou aos investigadores que recebeu a oferta de viajar de graça para Brasília e ainda teve direito a "doações". "A viagem para Brasília foi-lhe oferecida gratuitamente, sendo que poderia fazer contribuição opcional, a qual declara não ter feito", disse no seu depoimento. E complementou: "Recebeu doações para se manter em Brasília". Não citou os valores nem a identidade do financiador.