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Aguirre Talento

REPORTAGEM

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Primo de líder do União Brasil confessa à PF desvios de tratores em estatal

Aguirre Talento e Eduardo Militão

Colunista do UOL e do UOL em Brasília

20/04/2023 04h00

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O mais recente foco de irregularidades detectado na Codevasf, estatal sob influência política do líder do União Brasil na Câmara dos Deputados, Elmar Nascimento (BA), envolveu diretamente um familiar do parlamentar. Seu primo Thiago Nascimento Vieira foi alvo de uma operação da Polícia Federal na Bahia e admitiu aos investigadores que cometeu fraudes em ofícios de deputados para desviar tratores bancados pela estatal e vendê-los a particulares, embolsando o dinheiro do negócio. O prejuízo estimado aos cofres públicos foi de R$ 380 mil, mas parte dos bens foi recuperada.

Codevasf Thiago Nascimento - Reprodução - Reprodução
Câmera de segurança da Codevasf da Bahia mostra Thiago Nascimento (à direita), primo do deputado Elmar Nascimento, entrando no prédio para destruir documentos, segundo a Polícia Federal
Imagem: Reprodução

Thiago foi preso pela PF em 11 de janeiro e obteve liberdade um mês depois. A PF concluiu o inquérito em fevereiro e indiciou o primo de Elmar Nascimento pelos crimes de peculato (desvio de recursos públicos), destruição de documentos públicos e associação criminosa. O UOL teve acesso a detalhes inéditos da investigação, que tramita sob sigilo na Justiça Federal da Bahia:

  • Natural de Campo Formoso (BA), mesma cidade de Elmar, Thiago Nascimento Vieira, 40 anos, trabalhou entre fevereiro de 2021 e outubro de 2022 como funcionário terceirizado da 6ª Superintendência Regional da Codevasf, sediada em Juazeiro (BA) e que foi o foco dos desvios. Integrantes da estatal dizem que a contratação de Thiago ocorreu por indicação do líder do União Brasil, que é seu primo em primeiro grau.
  • A superintendência de Juazeiro é chefiada desde 2021 por um aliado de Elmar, Miled Cussa, mantido no posto pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
  • O presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Pinto, também foi indicado pelo líder do União Brasil durante o governo Bolsonaro e mantido pela gestão Lula. Outros cargos da estatal têm nomes indicados por políticos do Centrão. Elmar é um dos aliados mais próximos do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e cotado como um dos possíveis sucessores dele ao cargo.
  • Até o momento, não foram encontrados indícios da participação de parlamentares nos desvios investigados.

Como funcionava o esquema:

A investigação aberta pela PF da Bahia sobre o caso detectou o passo a passo dos desvios:

  • As fraudes ocorreram no repasse de recursos de emendas parlamentares à Codevasf de Juazeiro com o objetivo de doar maquinários agrícolas para municípios do interior da Bahia.
  • Thiago Nascimento, que trabalhava no setor responsável pelas doações, fraudou ofícios de deputados federais que serviriam para liberar as máquinas compradas pela Codevasf para envio a prefeituras da Bahia.
  • Após a fraude, o maquinário era retirado do pátio da Codevasf e vendido para particulares.
  • A PF calculou que foram desviados 3 tratores agrícolas, 3 grades aradoras de controle remoto, 2 pulverizadores costais motorizados, 1 carreta agrícola e 11 guinchos agrícolas, que totalizam cerca de R$ 380 mil.
  • A Codevasf informou nesta quarta-feira (19) que conseguiu recuperar três tratores, que representam o maior valor dos itens desviados.

Primo de Elmar admitiu fraudes

Em seu depoimento aos investigadores, Thiago Nascimento confessou que pediu ajuda a um amigo, Saulo Marques de Carvalho, para realizar as operações fraudulentas:

  • "Diante das fragilidades do processo de doação, verificou que seria fácil fraudar esse processo de doação", afirmou Thiago, de acordo com o termo de depoimento prestado à PF em 11 de janeiro.
  • A primeira fraude envolveu bens que seriam doados pelo deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA). Thiago afirmou que "orientou Saulo como ele deveria proceder, tendo pego os modelos dos ofícios nos próprios arquivos da Codevasf e repassado para Saulo"..
  • Após receber os documentos, Saulo teria falsificado a assinatura do deputado e enviado ofício à Codevasf para liberação do maquinário, fingindo se passar por um assessor do parlamentar. "Quando tomou conhecimento que o termo de doação havia saído, o próprio Saulo ligou para o sucatão Queiroz, contratando o guincho para a retirada dos bens da Codevasf, em maio de 2022", relatou Thiago.
  • Posteriormente, o mesmo sistema foi usado para fraudar um ofício do então deputado federal Uldurico Junior (MDB-BA). Em agosto de 2022, entretanto, o parlamentar fez uma visita à Codevasf e constatou a suspeita de fraude na doação de maquinário em seu nome. Com isso, a Codevasf encaminhou o caso para investigação da Polícia Federal.

Destruição de provas

Ao tomar conhecimento de que as fraudes estavam sob investigação da Polícia Federal, Thiago Nascimento compareceu à sede da Codevasf fora do horário do expediente acompanhado de Saulo e mais uma outra pessoa com o objetivo de destruir provas no seu computador. A PF detectou, graças a imagens das câmeras de segurança, a movimentação suspeita.

"Após perícia técnica no computador usado por Thiago Vieira, verificou-se que dolosamente o HD foi danificado, visando impossibilitar a identificação, por exemplo, dos logs de acesso ao computador e à rede; documentos arquivados e apagados", diz a PF. Thiago também trocou de número de telefone para tentar se desfazer de provas que pudessem comprometê-lo.

CGU alertou sobre riscos

Auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) já fizeram alertas à Codevasf sobre a fragilidade dos processos de doações de maquinários agrícolas. Em um relatório concluído em dezembro, a CGU constatou:

  • Não há critérios técnicos para a seleção das entidades e localidades beneficiadas. Cabe apenas aos parlamentares responsáveis pela destinação dos recursos indicar as entidades, sem nenhum estudo prévio.
  • Não existe fiscalização da utilização dos equipamentos, que não podem ser usados para enriquecimento dos beneficiários, nem exigência de prestação de contas à Codevasf.
  • "Do exposto, constata-se que a Codevasf ainda não fiscaliza a utilização dos veículos e equipamentos doados, o que deixa margem a possibilidade da ocorrência de desvios de finalidade do uso do bem, conforme foi constatado em visita de fiscalização in loco", diz a auditoria.

Outro lado

Procurado durante a quarta-feira, o deputado Elmar Nascimento não retornou aos contatos da reportagem.

Em nota, o advogado de Thiago Nascimento, Vinícius Assumpção, afirmou: "Os elementos produzidos na fase policial ainda serão apreciados pela Justiça e a defesa pretende se manifestar apenas nos autos".

A defesa de Saulo Marques disse que não iria comentar sobre a acusação porque o caso está em sigilo. "Necessário considerar que, durante as atuais investigações e mesmo antes do trânsito em julgado de sentença oriunda de um eventual processo penal, devemos sempre considerar que o nosso cliente - como qualquer outro cidadão - está amparado pela constitucional presunção de inocência", afirmou o advogado Lucas Maia Carvalho Muniz.

Em nota divulgada no dia da operação da PF, a Codevasf afirmou que a investigação foi aberta após uma denúncia feita pela estatal às autoridades policiais após constatar suspeitas de fraudes em documentos. Procurada, a estatal disse que aumentou o rigor nos processos de doações após o caso. "A Companhia realizou capacitação específica para todos os técnicos que atuam em procedimentos e rotinas de doação de bens, em particular para rastreamento e verificação de conformidade de todas as comunicações (ofícios e e-mails) mantidas entre a Companhia e as prefeituras beneficiárias, e de suas respectivas assinaturas".