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Alberto Bombig

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O arriscado jogo de Gilberto Kassab ao se aproximar do bolsonarismo em SP

Gilberto Kassab no UOL Entrevista - UOL
Gilberto Kassab no UOL Entrevista Imagem: UOL

Colunista do UOL

28/06/2022 14h49

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Reconhecido no mundo da política como um habilidoso estrategista, daqueles que enxerga longe mesmo dentro dos piores nevoeiros, Gilberto Kassab tem chamado a atenção de seus pares por conta de um movimento considerado arriscado: o presidente do PSD negocia apoiar Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) ao governo de São Paulo, como afirmou o próprio pré-candidato na segunda-feira (27), no programa Roda Viva (TV Cultura).

Mais ainda: as conversas envolvem a própria inclusão de Kassab em uma eventual chapa, seja na condição de vice ou de suplente de senador. A articulação não teria absolutamente nada de anormal não fosse o fato de que Kassab foi o primeiro entre os presidentes de partidos importantes a criticar pesadamente Jair Bolsonaro, padrinho político de Tarcísio, ainda em 2021. Na esteira dele, outras siglas começaram a se afastar do Planalto.

Desde o início da pandemia, Kassab fustiga Bolsonaro com declarações duras e incontornáveis. Em outubro do ano passado, ele disse ao Canal UOL: "Bolsonaro é o pior presidente com quem convivi". Seria, no mínimo, estranho se, agora, ele se aninhasse no ninho bolsonarista, ainda que na versão "light" representada por Tarcísio.

Outra questão diz respeito ao futuro: o presidente do PSD está há meses conversando com petistas importantes. Em Minas Gerais, o partido de Kassab, representado por Alexandre Kalil, se alinhou ao PT na disputa pelo governo. Em outros estados, as alianças serão com forças contrárias a Lula, mas nenhuma deles tem a simbologia contida na pré-candidatura de Tarcísio no maior colégio eleitoral do país. Também não envolvem diretamente o nome de Kassab.

Kassab foi ministro de Dilma Rousseff (PT) e de Michel Temer (MDB). E, certamente, pode ser de Lula, pois já se comprometeu com o ex-presidente a apoiá-lo num eventual segundo turno contra Bolsonaro, segundo o que corre nos bastidores. Ou seja, apoiar Tarcísio, de certa forma, o afasta desse objetivo.

Para Tarcísio, o apoio de Kassab seria importante. O pré-candidato e ex-ministro de Bolsonaro ganha tempo de TV e o ombro amigo de um político que se criou no estado de São Paulo, como deputado estadual, federal e prefeito da capital por quase sete anos. Para Kassab, porém, as vantagens são menos claras. Em linhas gerais, é possível dizer que ele se contradiz em relação a Bolsonaro, rifa seu candidato atual ao Palácio dos Bandeirantes, Felício Ramuth (PSD), e se atrela, no máximo, a um segundo colocado nas pesquisas, sendo que ele também é cortejado pelo primeiro, Fernando Haddad (PT).

O que talvez explique a conversa é a inimizade mútua que Kassab mantém com o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), de quem já foi parceiro e dobrada nas eleições para os Parlamentos estadual ou federal. Dividiam até um jingle, que ficou famoso: quem sabe, sabe/ voto comigo/ federal é Kassab / estadual é Rodrigo.

Se aderir a Tarcísio agora, Kassab associa-se a um grupo que vem questionando a legitimidade das urnas, das instituições e, consequentemente, o ambiente no qual o presidente do PSD prosperou como habilidoso estrategista político: o do jogo democrático.

Mesmo que pessoalmente Tarcísio não seja ou, ao menos até aqui, não tenha se mostrado da mesma linhagem de Bolsonaro e de seus generais, os políticos sempre perdem importância em qualquer projeto bolsonarista. Afinal, associar-se a um autocrata declarado pode ser um suicídio político no médio prazo.

Articular, negociar e conversar politicamente com um presidente autocrata não vale nada, correto? O mesmo raciocínio vale para Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se aproxima do Planalto e de Arthur Lira (Progressitas-AL), com a bênção de Kassab, em busca de apoio ao seu projeto de reeleição para presidente do Senado. São ingênuos os que acreditam poder controlar Bolsonaro. Já está demonstrado que isso é impossível. Que o digam Santos Cruz, Luna e Silva, Gustavo Bebianno e tantos outros.

Por isso, fica ainda mais difícil de entender o movimento de Kassab. O presidente do PSD não é infalível, claro, mas jamais pode ser considerado ingênuo politicamente. Resta saber se ele está enxergando algo que ninguém vê diante do atual nevoeiro ou se, desta vez, sua luneta está embaçada.