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André Santana

REPORTAGEM

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Movimentos querem cineasta Joel Zito Araújo à frente da EBC no governo Lula

O cineasta Joel Zito Araújo é a aposta para a presidência da EBC no novo governo Lula - Reprodução/Itaú Cultural
O cineasta Joel Zito Araújo é a aposta para a presidência da EBC no novo governo Lula Imagem: Reprodução/Itaú Cultural

Colunista do UOL

05/11/2022 04h00

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Cresce o apoio de segmentos profissionais e movimentos sociais ao nome do cineasta Joel Zito Araújo, 68, para o comando da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) no governo Lula.

Criada em 2007, na gestão petista, a EBC é responsável pela TV Brasil, pela Agência Brasil e por sete rádios públicas, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e a Rádio MEC.

Com uma trajetória premiada na produção audiovisual, Joel Zito Araújo dirigiu filmes como Raça, Filhas do Ventos, A Negação do Brasil, Meu Amigo Fela e o mais recente O pai de Rita, lançado este ano.

Também conta a favor do cineasta a sua preocupação com a diversidade cultural, especialmente com a temática racial e o seu diálogo com a África, a América Latina e a diáspora africana.

Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e pós-doutor em cinema, rádio e TV pela Universidade do Texas, Joel Zito tem duas importantes obras como pesquisador da televisão: A Negação do Brasil (2020), sobre a presença negra na teledramaturgia brasileira e O Negro na TV Pública (2010), que reúne estudos sobre a função de um canal de televisão público no combate ao preconceito e na melhor representação da diversidade do povo brasileiro.

Joel Zito também dirigiu Espelho, programa de entrevistas que Lázaro Ramos comandou por 16 temporadas no Canal Brasil.

Joel Zito tem apoio de funcionários da EBC, grupos de jornalistas, cineastas e ativistas do movimento negro --como a socióloga Sueli Carneiro, o músico Nei Lopes, Wania Santanna, da Coalização Negra por Direitos, e o presidente do bloco afro Olodum, João Jorge Rodrigues, ex-conselheiro da EBC.

Conselheiro cassado

Uma das primeiras medidas de Michel Temer, ao tomar posse como presidente do Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, foi assinar a Medida Provisória 744, que alterou a estrutura da EBC.

A MP 744 extinguiu o Conselho Curador da EBC e o mandato fixo de diretor-presidente da empresa, que passou a ser de livre nomeação pelo presidente da República.

O Conselho Curador tinha como atribuição zelar pelo caráter público e pela autonomia da EBC, limitando a ingerência do governo e do mercado. Antes da MP 7444, o mandato do diretor-presidente da EBC era de quatro anos para impedir a troca do comando da empresa a partir de cada mudança do Executivo.

O conselho da EBC era composto por 22 membros, sendo 15 representantes da sociedade civil indicados via consulta popular, quatro do governo federal, um da Câmara dos Deputados e um do Senado, além de um representante dos trabalhadores da empresa.

Joel Zito Araújo estava entre os conselheiros que tiveram seus mandatos cassados pela MP 744. Por isso, a nomeação do cineasta para a presidência da EBC seria também uma reparação histórica à tentativa de desmonte da comunicação pública desde o afastamento de Dilma.

Entidades reunidas em torno da Ouvidoria Cidadã EBC denunciaram o uso indevido de espaço da TV pública pelo governo Bolsonaro para "proselitismo governamental, promoção pessoal, negacionismo e fake news". Houve inclusive intenção de privatização da EBC, que foi incluída no PND (Plano Nacional de Desestatização) da gestão bolsonarista.

De acordo com dados da Kantar Ibope, a TV Brasil é a 5ª emissora de televisão mais assistida no Brasil.

Censura

"Essas iniciativas demonstram que a EBC, nos governos Temer e Bolsonaro, foi desmontada perdendo sua autonomia, assegurada na criação pelo governo Lula e o Congresso Nacional. Acompanhamos a militarização no comando da empresa e a censura a conteúdos fundamentais. Entre eles, as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, a agenda política das mulheres negras e dos povos de terreiro, a luta quilombola e o debate sobre o genocídio da juventude negra e dos povos indígenas."

Este é um trecho de uma carta à qual a coluna teve acesso, que foi entregue a Lula, durante a campanha deste ano e assinada por diversas entidades do movimento negro como Cojira (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial) de sindicatos de jornalistas de vários estados; Articulação de Mulheres Negras Brasileiras; Geledés, Coalizão Negra por Direitos; Movimento Negro Unificado; Associação de Profissionais do Audiovisual Negro; CMA HIP-HOP - Comunicação, Militância e Atitude; Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as; Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros; Ciranda Afro de Comunicação Compartilhada, além de personalidades negras como o próprio Joel Zito Araújo.

A carta segue apontando como fundamental retomar os princípios e dispositivos da lei de criação da EBC, com efetiva participação da sociedade civil na gestão, com critérios de diversidade e inclusão regional, e efetiva participação negra na gestão e no conteúdo.

"É preciso que, vencido o governo genocida e o projeto de privatização da empresa, a comunicação pública ressurja disposta a radicalizar as medidas em prol da diversidade e do combate ao racismo."

EBC precisa encontrar um modelo brasileiro

"A cassação do conselho curador, que era indicado pela sociedade e tinha função deliberativa na EBC marcou a mudança política no país porque ocorreu menos de 24 horas depois de impeachment da presidenta. A partir daí ocorreu a descaracterização da comunicação pública, com censura a conteúdos", conta a jornalista Rita Freire, ex-presidente do conselho curador cassado pela MP 744.

Rita destaca que houve um monitoramento constante do processo de desmonte, com uma articulação ativa de diversos segmentos sociais.

"Não é uma discussão que começa agora para indicação de nome. Fizemos seminários e abrimos uma consulta pública para receber contribuições sobre qual a comunicação pública que queremos para o Brasil." Ela informa que estão agendados novos encontros para que o tema —o resgate do caráter público e diverso da EBC— continue em discussão na sociedade.

Joel Zito acompanhou tudo e representa muito bem todo esse processo, dominando uma agenda de mediação com a sociedade. Ele é a possibilidade técnica de dar vazão à rica produção periférica."
Rita Freire, jornalista

Outro nome que defende Joel Zito Araújo para a presidência da EBC no governo Lula é Richard Santos, professor da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) e pesquisador sobre televisão.

Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Comunicação, Richard é também músico, repórter, apresentador e autor dos livros Branquitude e Televisão (2021) e Maioria Minorizada (2020).

"O modelo privado de televisão das empresas corporativas não atende à diversidade brasileira porque é baseado na lógica excludente da branquitude."
Richard Santos, professor da UFSB e pesquisador sobre TV

Richard destaca que a produção audiovisual de Joel Zito já demonstra sua expertise e seu olhar mais diversos. Além disso, o cineasta possui diálogo com países africanos e latinos, que devem enriquecer a programação da emissora pública brasileira.

O pesquisador cita como exemplo positivo a comunicação pública da Argentina, com mais pluralidade étnica que a experiência brasileira, mesmo na gestão petista.

Como apresentador dos programas Paratodos e Caminhos da Reportagem, Richard foi um dos poucos profissionais negros a ocupar esse espaço na televisão brasileira, no início dos anos 2000.

"A gestão de Joel Zito Araújo pode garantir o fortalecimento da democracia, porque ele não defende uma pauta única, mas a pluralidade e a partir de um viés negro ausente. É a garantia de que a comunicação seja pública, não governista e não subordinada ao mercado", afirma Richard Santos.

O novo presidente da EBC terá a tarefa de tirar da gaveta programas censurados, alguns já gravados e editados, a exemplo de um especial sobre o centenário de Dona Ivone Lara e os 80 anos de Paulinho da Viola e Nei Lopes.