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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Obrigado, Pelé, por imortalizar em nós a imagem de um rei negro

Pelé, um Rei preto, de pele retinta e carapinha - Reprodução/Instagram
Pelé, um Rei preto, de pele retinta e carapinha Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL Notícias

29/12/2022 17h07

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Nos chega agora, às 16h e poucos minutos, do dia 29 de dezembro de 2022, a notícia da morte de Pelé e a primeira dúvida que paira é: nossos heróis não são imortais?

Sim, será imortal a imagem de um Rei Negro, preto, retinto, de carapinha, a nos inspirar e a nos dar orgulho de sermos brasileiros como ele.

Os brasileiros, de tantas dúvidas sobre os motivos de se orgulhar ou não deste país, têm em Pelé uma certeza: nasceu no Brasil o maior jogador da história do futebol mundial.

Nos momentos mais tristes de desilusão, de comparações negativas em relação a outras nações, de crise aguda da síndrome de vira-lata, lá nessas horas mais cruéis de aceitação da nossa nacionalidade, é que estará a imagem de Edson Arantes do Nascimento: o imenso Pelé.

Campeão do mundo nas Copas de 1958, 1962 e 1970. O atleta dos mais de mil gols, que despertou paixão em todo o mundo, não apenas pelo futebol, mas pelo Brasil e pela camisa verde-amarela.

Mesmo na tristeza que neste momento esta camisa causa em muitos brasileiros, lembraremos que somos conterrâneos do único tricampeão do futebol, do astro que —vestindo esta mesma camisa canarinha— encantou o mundo e elevou o futebol ao esporte mais popular, mais amado e disputado em todos os cantos.

Lembraremos que um brasileiro, como nós, deu orgulho a esse país e fez o mundo se render ao fenômeno brasileiro de lidar com a bola com arte, drible, ginga, que tanto traduz os nossos jeitos de corpo e de vida.

Muitos já disseram como o samba e o futebol —que tanto exigem de molejo do corpo— têm nos corpos brasileiros sua exuberância por excelência, por serem também essas as exigências que marcam nossa história de sobrevivência e de resistência a tantas crueldades que tentam nos derrubar. Manter-se em pé e não perder o controle do passe é a missão diária dos brasileiros desde sempre neste país formado pela exploração violenta de certos corpos, parecidos com o do Rei Pelé.

Quem diria que em uma país da América Latina, no sul do mundo, em uma ex-colônia portuguesa que custou a se tornar livre, em uma nação de difícil construção da cidadania, que exterminou boa parte dos seus povos originários e se povoou de pretos africanos sequestrados e de europeus aflitos em busca de condições dignas de vida, neste país, um lugar que ainda tenta se livrar das marcas da escravidão e do colonialismo, nasceu um Rei de pele retinta.

A genialidade de Pelé garantiu homenagens de reis e rainhas de coroas de ouro genuíno, de presidentes com canetas decisivas para a História, de líderes de multidões, de comandantes de guerras.

O futebol de Pelé inspirou atletas de tantas nações, de tantos meninos pretos como ele, pobres como ele, desacreditados e sem oportunidades como ele.

Pelé humanizou um sonho de realeza.

Como são os negros reinando em suas artes e talentos? A escola ainda não conta, os livros didáticos não mostram, a mídia não destaca. Mas a imagem de Pelé em seus gols, troféus e dribles geniais nos ensina.

Devemos gratidão a Pelé por tornar possível acreditar no talento que brota em corpos negros, discriminados e humilhados.

Depois de Pelé, ganhamos mais dois campeonatos mundiais e em todos eles, brilharam astros de pele retinta e carapinha, que deram continuidade às jogadas de Pelé. Será assim para sempre, pois o reinado de Pelé será imortal. Ao menos para nós, brasileiros, que tanto precisamos de razões para nos orgulhar e seguir.

Obrigado, Pelé, por imortalizar em nós a imagem de um Rei Negro!