André Santana

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Quem está matando indígenas é a polícia da Bahia, diz cacique baleado

O cacique Nailton Muniz Pataxó, 77, acusa a Polícia Militar da Bahia de participação nos ataques contra a comunidade indígena pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul da Bahia, em 21 de janeiro. A irmã dele, Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, 52, professora e liderança espiritual (majé) da Terra Indígena Caramuru Paraguassu, foi assassinada.

Tá claro que a polícia que está fazendo um trabalho de pistolagem para defender interesses particulares dos fazendeiros.
Nailton Muniz, cacique

Ainda hospitalizado, se recuperando dos tiros que recebeu na perna e no quadril durante o atentado, o cacique gravou um vídeo para o canal Teia dos Povos — disponível no YouTube.

Nailton Muniz Pataxó relata como a Polícia Militar da Bahia teria planejado, junto aos fazendeiros ligados ao grupo Invasão Zero, o ataque em Potiraguá, em resposta à ocupação de uma área em processo de demarcação.

Foi tão planejado que sábado a polícia esteve na área, espancou alguns índios, tomou todos os celulares dos índios que se encontravam lá, já premeditando que os índios não iam filmar essa ação do dia seguinte. Foi tudo controlado, junto, participado, junto com o fazendeiro e os milicianos e a Polícia Militar.
Nailton Muniz, cacique

"Existe um projeto de extermínio do nosso povo, mas enquanto não exterminar, estaremos de pé para colocar a luta pra frente", afirmou a liderança pataxó.

Em nota, movimento Invasão Zero diz que repudia violência

Depois do atentado, dois fazendeiros foram presos em flagrante por homicídio e tentativa de homicídio após o conflito entre indígenas e ruralistas que, conforme a Secretaria da Segurança Pública da Bahia, ocorreu durante ação do Movimento Invasão Zero.

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Maria de Fátima Muniz, Nega Pataxó, foi assassinada em janeiro no sul da Bahia
Maria de Fátima Muniz, Nega Pataxó, foi assassinada em janeiro no sul da Bahia Imagem: Teia dos Povos

Em nota pública postada em seu perfil no Instagram em 26 de janeiro, o Invasão Zero se define como um movimento dos produtores rurais brasileiros, "ordeiro, pacífico e legalista" e afirma que repudia "qualquer ato de violência".

A organização afirmou que "jamais incentivou — ou mesmo consentiu — com a prática de atos de violência em desfavor dos invasores de terras, primando invariavelmente pela resolução pacífica dos litígios fundiários".

Já o cacique Nailton afirma que a organização Invasão Zero é formada por milicianos e que "o interesse deles é matar lideranças". "Essa organização passou a ser uma frente de violência que tem carta branca para tirar a vida do ser humano. Como eles são pacíficos disparando armas às claras?", questiona.

A maior parte dos integrantes do invasão Zero são milicianos, a polícia sem farda participando de tudo. É muito preocupante para nosso estado, nosso país. Não vou me intimidar de fazer nosso trabalho porque estou lutando por direito.
Nailton Muniz, cacique

O que diz o governo

Após o vídeo do cacique Nailton, a Secretaria da Segurança Pública encaminhou o mesmo texto divulgado logo após a morte de Nega Pataxó. Na nota, a pasta destaca a prisão de dois homens e diz que que "determinou à Polícia Civil prioridade na investigação da ocorrência na região sudoeste da Bahia".

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O UOL procurou também a Secretaria de Comunicação e a Polícia Militar e aguarda posicionamento.

No dia 22, o governo da Bahia convocou uma reunião com órgãos como o Ministério Público do Estado, Defensoria Pública, Polícia Federal e secretarias estaduais para criação de um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar soluções para "uma construção pacífica no que diz respeito aos conflitos de terra no estado e à regularização fundiária".

Nessa data, Jerônimo sancionou uma lei que permite a criação da Companhia de Mediação de Conflitos Agrários e Urbanos, ligada à Polícia Militar. Entre as atividades prevista, segundo divulgação do governo, estão intervenções em "questões que envolvem povos originários, comunidades tradicionais, movimentos sociais e grandes coletividades de pessoas".

'Uma vergonha para o estado da Bahia'

No vídeo publicado nesta terça, o cacique Nailton Pataxó também lista os assassinatos de indígenas que vêm ocorrendo na Bahia — estado que possui a segunda maior população indígena do país (atrás do Amazonas).

Ele manda um recado ao governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA), para que tire a polícia da área indígena e resolva os problemas dos povos indígenas da Bahia.

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Nós não vamos arredar o pé, nós não vamos desistir do nosso objetivo (...) 20 anos de governo do PT no estado da Bahia, esses problemas não deveriam mais acontecer.
Nailton Muniz, cacique

"Quem está matando os índios é a Polícia Militar do Estado da Bahia e Jerônimo tem de tomar uma providência. Se diz índio, então, quem é parente, se dói pelos parentes", diz Nailton, fazendo referência ao governador, que se autodeclara indígena.

Governo da Bahia convocou reunião sobre os conflitos de terra
Governo da Bahia convocou reunião sobre os conflitos de terra Imagem: Secom Bahia

Em 2022, o cacique Nailton foi homenageado com o título de doutor Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais em reconhecimento à liderança na luta pela recuperação dos territórios e pela demarcação das terras dos pataxós hã-hã-hãe.

"Se for preciso morrer pelo nosso direito, pelo nosso território, pela nossa história, eu vou morrer pela nossa história. Não vou morrer de braços cruzados e para me intimidar tem de tirar a minha vida", afirma.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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