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Quartéis em silêncio: capitão desafia generais do "meu Exército"
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Ao levar o general Pazuello para o palanque dos motoqueiros no domingo, o capitão Bolsonaro sabia o que estava fazendo: um desafio aberto ao Alto Comando do Exército por quebra de disciplina, apenas dois meses depois da mais grave crise militar deste século, quando o presidente demitiu o ministro da Defesa, e os três comandantes militares entregaram seus cargos.
No dia seguinte da micareta motorizada no Rio, quando estava em Quito, no Equador, Bolsonaro dobrou a aposta e proibiu que o "meu exército" divulgasse uma nota sobre o procedimento disciplinar instaurado para apurar a participação de Pazuello, um general de três estrelas, ainda na ativa, no ato político.
Até esse momento, 72 horas após o ex-ministro da Saúde fazer um breve discurso de exaltação do presidente, os dois sem máscara, os quartéis permanecem em obsequioso silêncio, como se nada tivesse acontecido.
Pazuello resiste aos apelos dos generais do Alto Comando para passar logo à reserva, o que ele não faria sem consultar o chefe supremo, já que "um manda e o outro obedece, simples assim".
Aonde Bolsonaro pretende chegar com essa provocação? Só para provar aos generais que quem manda é ele?
Nos tempos de tenente, ele também desafiou seus superiores para pedir aumento salarial. Foi preso e processado por planejar atentados terroristas. Acabou absolvido pelo Superior Tribunal Militar e promovido a capitão quando passou para a reserva.
Como a insubordinação de Pazuello foi pública, diante de milhares de testemunhas, filmada e divulgada pela rede bolsonarista, desta vez não dá para o Alto Comando alegar falta de provas, nem é provável que seja reformado e promovido a general quatro estrelas.
O que Bolsonaro quer é criar mais confusão, uma nova crise militar, para desviar as atenções da CPI do Senado e das denúncias de corrupção que rondam seu governo na Amazônia de Ricardo Salles, na Brasília do tratoraço das emendas secretas e na reforma da sede do Ministério da Saúde no Rio.
Afrontar as Forças Armadas, que já estão com sua imagem abalada pelos desmandos de Bolsonaro & Pazuello na pandemia, não parece ser a melhor ideia a essa altura do campeonato.
Vence hoje o prazo de 72 horas dado pelo comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira, para o general ajudante de ordens do presidente apresentar sua defesa no processo disciplinar.
O regimento do Exército prevê penas que vão de advertência verbal até prisão por no máximo 30 dias, mas o medo maior de Pazuello é sua situação na CPI do Senado, que o reconvocou hoje a prestar novo depoimento.
Mesmo munido de habeas corpus para poder mentir à vontade, o general sabe que o relatório final da CPI poderá levá-lo a prestar contas à Justiça como corresponsável por boa parte das mais de 450 mil mortes de brasileiros na pandemia.
Bolsonaro colocou o comandante Paulo Sergio numa enrascada, qualquer que seja a decisão dele. Se der uma pena muito branda, ficará desmoralizado com a tropa; se pegar mais pesado, enfrentará a ira do presidente, que não gosta de ser contrariado e é o mentor de Pazuello.
A temperatura do clima nas Forças Armadas pode ser medida pelas declarações dadas ao repórter Marcelo Godoy, do Estadão, pelo tenente-brigadeiro Sergio Xavier Ferolla, que foi ministro por oito anos e presidiu o Superior Tribunal Militar:
"O caso do general é vergonhoso, um caso de indisciplina. Se você aceitar isso, acabou a disciplina nas Forças Armadas porque o tenente, o sargento e o cabo têm sido punidos dentro da lei _ e são muitos. Não pode ser diferente com o general."
Além de Pazuello, a CPI sobre as ações e omissões do governo na pandemia agora quer ouvir também o chefe dele, o que poderá gerar outra crise, que certamente acabará no Supremo Tribunal Federal.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou requerimento hoje pedindo a convocação do presidente Jair Bolsonaro para prestar depoimento, o que seria inédito.
No pedido, Rodrigues cita o artigo 58 da Constituição, que autoriza comissões do Congresso Nacional a "solicitar depoimentos a qualquer autoridade ou cidadão". Lei específica sobre CPIs e o regimento interno do Senado permitem a convocação de "quaisquer autoridades federais".
Se nesta quarta-feira os senadores do governo e da oposição já entraram em confronto para convocar governadores, pode-se imaginar o que acontecerá numa votação para convocar o presidente da República.
Para completar o cenário de furdunço institucional, o fiel aliado Arthur Lira, presidente da Câmara, disse que "está estudando" os mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro que o aguardam sobre a sua mesa.
No fim, pode não acontecer nada, ou acontecer de tudo, nesta semana que ninguém sabe como vai acabar.
Com Bolsonaro no poder, tudo é imprevisível. Só não vamos morrer de tédio.
Vida que segue.
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