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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ainda dá tempo de calçar as chuteiras da humildade?

Neymar faz tradicional comemoração em ensaio fotográfico da seleção brasileira antes da Copa do Mundo do Qatar - Ryan Pierse - FIFA/FIFA via Getty Images
Neymar faz tradicional comemoração em ensaio fotográfico da seleção brasileira antes da Copa do Mundo do Qatar Imagem: Ryan Pierse - FIFA/FIFA via Getty Images

Colunista do UOL

24/11/2022 04h00

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A seleção argentina perdeu o primeiro jogo. A seleção alemã, também, pelo menos no tempo regulamentar, porque antes da partida marcou um golaço ao protestar contra a ditadura machista e homofóbica que impera naquele país. O elenco francês, desfalcado de seu principal jogador, conseguiu golear o adversário, mas também começou perdendo e precisou de meia hora para se recompor.

Nesta quinta-feira, a seleção brasileira entra em campo com o fantasma da zebra baforando em seu cangote. Perder a primeira partida é mau presságio. Somente a Espanha, em 2010, foi campeã do mundo depois de perder na primeira rodada, de 1 x 0 para a Suíça. Em 1990, a favorita Argentina também levou um cascudo no primeiro jogo, derrotada por Camarões pelos mesmos 1 x 0, e pelejou para fechar a campanha em segundo lugar. Um ótimo exemplo de superação. Mas vice, você sabe, não é muito mais do que o primeiro derrotado.

Esses episódios, sobretudo as derrotas das sempre cotadas Argentina e Alemanha nesta semana, nos ajudam a lembrar que a humildade, embora fora de moda, ainda tem seu valor. "Aqui é trabalho, meu filho", esbravejou, certa feita, o técnico Muricy Ramalho, treinador do São Paulo e do Santos na primeira década do século.

Em tempos de Copa do Mundo, o desempenho em campo nem sempre é proporcional ao aproveitamento no mercado publicitário e à audiência nas redes sociais. Jogador muito inflado vira pavão. Os mais antigos sabiam bem, e também por isso insistiam em manter o elenco concentrado na Granja Comary por no mínimo um mês antes de seguir para o país da Copa. Além do necessário entrosamento entre atletas que não costumam estar juntos e cúmplices no resto do ano, essas concentrações tinham também o condão de deixar o grupo na mesma página, afinados (e afiados) como convém a uma orquestra. Desta vez, foram apenas dez dias juntos, entre Turim e Doha, desde o último dia 14, quando os jogadores se reuniram pela primeira vez. E mais uma vez sem a presença de psicólogos na delegação, como apontou reportagem do UOL. É pouco tempo para evitar o estrelismo e abafar o sentimento de "já ganhou". Principalmente quando se divide o mesmo camarim, ops, vestiário, com Messi, no caso da Argentina, ou Neymar, no caso do Brasil.

Dia desses, perambulei por algumas barraquinhas de camisetas instaladas em frente a um estádio para sondar os produtos comercializados pelos ambulantes e os preços praticados. Encontrei camisetas azuis e amarelas com diferentes estilos. Entre todas elas, algo em comum: o número 10 nas costas. Devo ter observado por baixo umas 70 camisetas do Brasil e não havia nenhuma com o número 9, nenhuma com o número 7. Mau sinal.

Neymar poderia ser uma unanimidade, mas não é. Tampouco o eram Romário, em 1994, ou Ronaldo, em 2002, é verdade. Nenhum desses, no entanto, tinha o mesmo histórico de sonegação de impostos e, principalmente, de apoio escancarado a um candidato a presidente recém-derrotado nas urnas. Neste sentido, o calendário atípico, com a eleição antecedendo a Copa, contribuiu para destacar rivalidades e deixou um retrogosto quase intragável na boca de quem se opôs à reeleição.

Não bastasse a camiseta canarinho ter sido usurpada pela turma da direita, coube ao ídolo máximo da seleção arregaçar as mangas e fazer campanha pró Bolsonaro. Em outros tempos, talvez não significasse nada. Em 2022, bastou para que parcela significativa do eleitorado criasse ranço pelo artilheiro. Principalmente quando se soma a isso a lembrança do garoto mimado, birrento, cai-cai e um tanto chorão que, não à toa, e por mais de uma década, era conhecido como "menino" Neymar.

O Brasil pode ganhar a Copa? Claro que pode. O Brasil pode ganhar a Copa sem o Neymar? Pode, também. Em 1962, vale lembrar, a seleção brasileira perdeu seu maior astro, Pelé, logo no segundo jogo, e mesmo assim sagrou-se campeã, com excelente campanha de Amarildo, o substituto de Edson Arantes do Nascimento. E o Brasil pode vencer apesar de Neymar? É isso que vamos ver.

Um bom começo seria que todos, incluindo Neymar, Tite, equipe técnica e também nós, os torcedores, calçássemos nossas chuteiras da humildade antes de entrar em campo nesta quinta-feira. E selássemos com um brinde um pacto de respeito, tolerância e repúdio à babaquice. Um brinde com água, para não incomodar as autoridades do Qatar.