Carla Araújo

Carla Araújo

Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Lula tenta dar recados, mas Campos Neto 'não vai morder a isca'

A entrevista do presidente Lula (PT) para a Rádio CBN quis mostrar que ele tinha uma intenção clara. Tentou dar recados e sinalizar ao mercado os rumos que ele acredita serem os mais adequados para a economia brasileira.

Seu primeiro alvo explícito foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O problema para Lula: a coluna apurou que Campos Neto descarta qualquer chance de entregar o cargo antes do fim de seu mandato, no dia 31 de dezembro. E que o presidente do BC não costuma reagir e nem se abalar com as críticas do presidente.

Outro alvo oculto foi o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, ex-secretário de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda e cotado para assumir o comando do BC em 2025.

As críticas de Lula a Campos Neto não são novidade, mas a forma e o 'timing' reforçam a insatisfação do presidente em relação ao escolhido pelo seu antecessor Jair Bolsonaro (PL). Aliás, auxiliares tentaram pedir que Lula 'esquecesse' Bolsonaro na entrevista, mas ele não conseguiu se segurar e sem citar o ex-presidente admitiu que pode tentar a reeleição para não deixar que 'trogloditas' voltem ao poder.

Também com a cabeça em 2026, Lula reclamou do encontro de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e disse que o presidente do BC tem lado político e atua para prejudicar o país.

Lula está irritado com a perspectiva de que o Copom (Comitê de Política Monetária) mantenha a taxa Selic em 10,5% ao ano.

Segundo apurou a coluna, porém, há outra irritação que mexeu com o presidente. O Congresso está tocando a discussão - que pode avançar na CCJ do Senado - da PEC 65, que dá ainda mais autonomia para o Banco Central.

O Copom reduziu a taxa básica de juros pela sétima vez em maio, mas em ritmo desacelerado, o que gerou novas críticas do presidente, que não esconde a vontade de trocar a gerência. Campos Neto fica no cargo até o final do ano, mas há uma expectativa de que o governo antecipe o anúncio do escolhido para sentar na cadeira já nos próximos meses, o que poderia causar desconforto e pressionar ainda mais o atual presidente.

Pessoas próximas a Campos Neto, porém, rechaçam qualquer possibilidade de ele entregar o cargo antes do dia 31 de dezembro e dizem que o atual presidente é 'frio' e está tranquilo. "Ele não vai morder essa isca", avaliam.

Continua após a publicidade

Galípolo: entre o alinhamento e a independência

Auxiliares de Lula admitem nos bastidores que a fala do presidente também teve recados para Galípolo.

Ex-número dois da Fazenda, o diretor é o favorito para assumir o BC, com apoio de Haddad. Para isso, no entanto, indicam aliados, ele precisa, sim, dar indicativos de que minimamente se assimilará à política monetária do governo.

Interlocutores argumentam que o mercado e a classe política não consideram a hipótese de um BC menos independente. Por outro lado, por se tratar de uma indicação política, o atual diretor de Política Monetário precisa no mínimo mostrar que não está rendido a nenhum dos "dois lados".

É uma função ingrata. De um lado, Galípolo tem de mostrar ao governo que está alinhado à queda da Selic; do outro, que não é submisso e também está comprometido com o controle da inflação.

Procurado pela coluna, Galípolo respondeu apenas que não poderia se pronunciar: "Estou no período de silêncio do Copom", disse.

Continua após a publicidade

Xadrez econômico

Lula admitiu na entrevista que o governo ainda não tem um plano para conseguir equilibrar as contas públicas. Prometeu que o governo vai apresentar alguma nova proposta ao Congresso em 22 dias.

Auxiliares de Lula tentam minimizar as dificuldades enfrentadas pela equipe econômica e afirmam que 'não dá dificuldade de achar alternativas'. Segundo eles, as propostas estão sendo analisadas.

Mas Lula sabe que não é fácil e que política é a arte da escolha. Alguém vai ter que perder, seja em cortes de gastos, ou em fim de subsídios ou até em aumento de carga tributária. Um leque de opções que podem e muito respingar na popularidade de Lula e nos rumos do governo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes