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Com década seca, 90% das cidades com mais casas vazias ficam no semiárido
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O Censo 2022 revelou que é no semiárido brasileiro que estão 18 dos 20 municípios com maior percentual de residências fechadas de forma permanente. Na última década, a região sofreu a sua maior seca em 100 anos, com a destruição de plantações e a morte de animais.
O que mostra o Censo
O semiárido brasileiro tem uma população de 27 milhões de pessoas, na divisão por territórios do IBGE.
Entre 2010 e 2022, a população cresceu 3,7% na região, abaixo da média nacional de crescimento, que foi de 6,5% no mesmo período.
Dos 1.262 municípios no semiárido, 644 (51%) perderam população nesses 12 anos. É uma porcentagem maior do que a média nacional, já que 43% dos municípios (2.399) encolheram em população desde 2010. Por outro lado, 606 cidades no semiárido tiveram crescimento (48%), o que pode indicar uma migração interna na região — só 12 municípios ficaram estáveis no número de habitantes.
No semiárido estão 90% das cidades com maior percentual de casas vazias de forma permanente: são 17 no Nordeste e a outra é Nova Belém (MG). Só não estão no semiárido Campos Verdes (GO) e Arco-Íris (SP). Veja no mapa abaixo as 20 cidades com essa característica.
A saída das pessoas tem relação direta com a histórica falta de oportunidades e a busca por universidades e empregos em centros maiores, segundo especialistas consultados pelo coluna. Na década passada, o processo foi impulsionado pela crise econômica a partir de 2015 e pela longa seca na região.
O Nordeste é marcado historicamente pela perda de população, não é um fenômeno novo. Apesar do crescimento e ampliação dos programas de transferência de renda, fatores microeconômicos e macroeconômicos relacionados a esses municípios ajudam a entender a emigração na perspectiva de massas."
Járvis Campos, professor da UFRN e coordenador do Comitê de Projeções e Estimativas Demográficas da Associação Brasileira de Estudos Populacionais
São João do Jaguaribe (CE) lidera: a cada 100 imóveis, 29 estão desocupados, diz o IBGE. A cidade também foi apontada, em 2022, com a maior taxa de assassinatos do país. A coluna ouviu alguns pesquisadores do tema, mas não há estudos que liguem a saída das pessoas da cidade com a violência. A reportagem não conseguiu contato com a prefeitura.
O que acontece no Nordeste
A região vive migrações dentro do próprio Nordeste, especialmente dos jovens que buscam oportunidades de estudo graças à expansão de cursos superiores nas capitais e cidades polos.
O crescimento do número de universitários contribui para a migração. Em 2022, segundo o Censo Escolar do MEC, o Nordeste tinha 1,8 milhão de estudantes no ensino superior. Em 2010, esse número era de 1 milhão. Muitos desses cursos estão fora do semiárido, onde há universidades federais e estaduais que ofertam todas as áreas de graduação, por exemplo.
Ana Clara Lima saiu de Caicó, no semiárido potiguar, para cursar Ciência e Tecnologia na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) em 2016. Deixou a família na cidade e hoje mora sozinha na capital do Rio Grande do Norte. Segundo o Censo, Caicó perdeu 1,5 mil moradores entre 2010 e 2022 e está entre as que mais diminuíram sua população no RN no período.
Cursei também engenheira ambiental e hoje estou fazendo mestrado em demografia. Deixei Caicó porque queria fazer faculdade no ramo de exatas, e lá não tinha."
Ana Clara Lima
Desenvolvimento do Nordeste reduziu o fluxo de saída para regiões mais ricas do país, afirma o professor da UFRN. Hoje os jovens migram para locais mais próximos de casa, na maioria das vezes dentro da região. "Sem dúvida a migração do Nordeste para o Sudeste não é a mesma daquela observada nos anos 1960 e 70, quando o semiárido servia de reservatório de mão de obra de baixa escolaridade, principalmente para São Paulo. Hoje a emigração é muito mais diversificada", comenta o pesquisador Járvis Campos.
Ao longo dos Censos, o Nordeste sempre teve saldo negativo de população migrante — ou seja, saíam mais pessoas do que chegavam. Em 2000, esse saldo foi de menos 764 mil pessoas; em 2010, caiu para menos 701 mil. Como os dados detalhados ainda não foram divulgados, não se sabe o saldo de 2022. "Mas para esse Censo esperamos ter uma nova redução das perdas populacionais", pondera Járvis.
Dos pequenos municípios do semiárido para as cidades polo da região. A tendência é essa, em busca de oportunidades, conforme os dados já divulgados.
Essa migração é natural naqueles municípios que sofrem com estagnação econômica, não é um fenômeno só no Nordeste e não significa um esvaziamento de toda a região."
Járvis Campos
Seca dificulta vida no campo
A última década de seca deixou marcas profundas que ajudam a explicar a queda de população nos municípios que têm vocação rural, analisa Humberto Barbosa, pesquisador da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e um dos autores do livro "Um século de seca".
A desertificação e as secas limitaram os rendimentos na agropecuária familiar, e a juventude rural fica sem perspectivas para sobreviver da agricultura. Isso aumenta a migração."
Humberto Barbosa, pesquisador da Ufal
A pedido da coluna, Barbosa montou um mapa que revela uma perda de biomassa (matéria orgânica com origem nas áreas florestais) em 51% do Nordeste entre 2010 e 2022.
Para o pesquisador, estudos mostram que o Nordeste está ficando ainda mais seco, e as mudanças climáticas tendem a agravar a situação. A degradação ocorre pela perda da vegetação causada pela ação humana.
Há também uma ação climática, as secas acumuladas que intensificam a perda de vegetação e de fertilidade. Com isso, o agricultor abandona áreas degradadas em busca de áreas férteis."
Humberto Barbosa
Cenário poderia ser pior
Para Cleyton Monte, cientista político e pesquisador da UFC (Universidade Federal do Ceará), o Nordeste consegue segurar mais moradores no semiárido do que em outras épocas.
Nós temos hoje uma série de políticas sociais em níveis federal, estadual e em muitos municípios que reduzem a miséria e a questão da fome. Até a década de 1990, quando tínhamos estiagem severa, não havia qualquer tipo de amparo a esses moradores, e eles saíam em massa."
Cleyton Monte, pesquisador da UFC
Essa nova geração já é mais qualificada. Os jovens do Nordeste têm agora mais escolarização, e muitas vezes não ficam restritos ao mundo rural. A agricultura familiar — que é a realidade da maioria dos pequenos municípios nordestinos — não atrai, e eles migram para regiões que têm mais oportunidades."
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