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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Governo altera mapa do semiárido, inclui cidades do ES e exclui do Nordeste

Paisagem típica do semiárido, na área do Parque Nacional Serra Capivara, no interior do Piauí - Marcel Vincenti/UOL
Paisagem típica do semiárido, na área do Parque Nacional Serra Capivara, no interior do Piauí Imagem: Marcel Vincenti/UOL

19/02/2022 04h00

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O Conselho Deliberativo da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) decidiu excluir 50 municípios do mapa do semiárido brasileiro. A decisão, tomada em reunião pelo Conselho Deliberativo, em dezembro, também aprovou a inclusão de outros 215 municípios —a maioria do Sudeste. A publicação da nova delimitação foi feita em 30 de dezembro e as cidades envolvidas têm um prazo de 60 dias para apresentar recurso.

A última delimitação havia sido feita em 2017, quando foi definido que o semiárido brasileiro contava com 1.262 municípios. Agora, passa a ter 1.427 —seis deles de um estado que, até então, não estava incluído nessa, o Espírito Santo. Dos 50 municípios retirados do mapa, 42 são do Nordeste e oito são de Minas Gerais.

Apesar de prevista, a alteração foi criticada por organizações que atuam no Nordeste e uma das prefeitura afetadas ouvidas pela reportagem. Procurada pelo UOL, a Sudene informou que as discussões dessa revisão começaram ainda em 2020, e a pesquisa utilizou dados do clima entre os anos de 1991 e 2020 —e que seguiu padrões recomendados pela Organização Mundial de Meteorologia (leia mais abaixo). O semiárido é caracterizado pela seca e aridez.

Mapa semiárido br - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Municípios excluídos por estado:

  • PB - 10
  • MG - 8
  • RN e SE - 7
  • PE - 5
  • AL, BA e CE -4
  • PI - 1
  • Total - 50

Municípios incluídos por estado:

  • MG - 126
  • PI - 31
  • PE - 19
  • MA - 14
  • BA - 9
  • ES - 6
  • AL e PB- 4
  • RN e SE - 1
  • Total - 215

A tabela completa dos municípios pode ser conferida aqui.

O que muda para quem 'saiu' do semiárido

Para que a área seja incluída no semiárido, são levados em conta três critérios —e basta apenas um deles para que haja a delimitação:

  • Precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800 mm;
  • Índice de Aridez de Thornthwaite (usado para medir o grau de aridez e acidez do solo de uma determinada região) igual ou inferior a 0,5;
  • Percentual diário de déficit hídrico igual ou superior a 60%, considerando todos os dias do ano.
Em vermelho, é possível localizar onde ficam os 42 municípios do Nordeste e 8 de Minas excluídos na nova delimitação do semiárido - Reprodução/Sudene - Reprodução/Sudene
Em vermelho, é possível localizar onde ficam os 42 municípios do Nordeste e 8 de Minas excluídos na nova delimitação do semiárido
Imagem: Reprodução/Sudene

Fora do semiárido, municípios e agricultores deixam de ter acesso a uma série de políticas públicas, em especial juros mais baixos e uma fatia maior no FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste). Para este ano, o orçamento previsto é de R$ 26,6 bilhões. Por lei, o fundo destina pelo menos metade dos recursos para o semiárido.

Há ainda vantagens em outros programas, como o FNDE (Fundo de Desenvolvimento do Nordeste) —também administrado pela Sudene e que é maior em áreas consideradas prioritárias, como o semiárido. Já outros programas são direcionados mais efetivamente para cidades da região, como o de construção de cisternas e o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) Semiárido —que financia projetos de infraestrutura hídrica e implementação de infraestrutura.

Na mudança anterior do mapa do semiárido, em 2017, o Conselho Deliberativo da Sudene definiu que os critérios técnicos e científicos utilizados para a delimitação da região seriam revistos em 2021 e a cada dez anos.

    "Nossa maior preocupação é que tenhamos mudanças nas taxas de juros do FNE. Procurei até me informar sobre isso com o Banco do Nordeste, mas ainda não tive retorno", diz Hibernon Cavalcanti, secretário de Agricultura de Arapiraca (agreste de Alagoas), o mais populoso município excluído da região.

    Desde 2012, o município tem decretado emergência por conta da seca (o que tem sido reconhecido pelo governo federal). A prefeitura informou ao UOL que vai recorrer da decisão por entender que parte do seu território está no semiárido.

    Mudança contestada

    A revisão do mapa desagradou a ASA (Articulação do Semiárido), organização que reúne mais de 3 mil entidades. O sociólogo e coordenador do projeto Daki Semiárido Vivo da ASA, Antônio Barbosa, questiona os critérios que a Sudene usou para mudar o mapa do semiárido e excluir e incluir cidades.

    Faltam informações sobre que critérios aplicaram. A gente sabe que existe uma mudança climática, mas sem os dados não dá pra saber se eles atendem ou não os critérios. Queríamos revisar os dados, junto com outros pesquisadores, mas não houve transparência."
    Antônio Barbosa, sociólogo e coordenador de projeto da ASA

    Ele também reclama da revisão de dados em um período tão curto. "Ficou acertado que a revisão ocorreria a cada dez anos. Ocorreu em 2005 e deveria ter ocorrido em 2015 —mas atrasou dois anos e só houve em 2017. Então, ela teria de ser revista, na pior da hipótese, em 2025. Por que fazer isso em ano eleitoral?", pontua. Para Barbosa, faltou um maior debate sobre as avaliações.

    Na sua opinião, mesmo os municípios que já estavam e permaneceram na lista serão prejudicados na divisão de recursos. "Estamos falando de um bolo que está sendo mais dividido", diz.

    Para o meteorologista, professor e pesquisador da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa, a mudança de configuração de uma área é natural dentro de um processo climatológico. Ele acredita que revisões, como essa da Sudene, são feitas por critérios técnicos.

    "A delimitação passou a ser uma política pública estabelecida, inclusive, dentro do plano nacional de mudança climática. Ou seja, é necessário haver revisões. Antigamente, ali pelos anos 1970, acredito que isso era mais político; mas agora é uma área técnica, temos marcadores científicos para isso", afirma.

    A gente sabe que o semiárido pode se expandir ou contrair em função das condições climáticas. A gente vê que o nosso semiárido está perdendo sua fertilidade do solo. Mapeamos isso recentemente e podemos dizer que o semiárido está em mudança, respondendo a esses extremos climáticos que são cada vez mais comuns."
    Humberto Barbosa, meteorologista da Ufal

    Para os próximos anos, Barbosa diz que o cenário é de imprevisibilidade sobre as condições climáticas e de como o semiárido vai se comportar diante do aumento da população, da degradação ambiental e da pressão sobre as questões hídricas. "Essa revisão dá para a gente entender a dimensão espacial territorial do semiárido e também enfatizar que esse aumento ou diminuição está muito ligada a condições extremas", pontua.

    Sudene assegura critérios técnicos

    Ao UOL, a Sudene afirmou que a análise mais recente para delimitação do semiárido teve a participação de técnicos da entidade, de equipes da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

    "Eles contribuíram ativamente, inclusive no processamento, geração de dados, mapas e relação de municípios habilitados, posteriormente expandido, num segundo momento, para a participação de Instituto Nacional do Semiárido (Insa), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)".

    A Sudene ainda argumenta que, para chegar à nova conclusão, foram processados os dados de índice de aridez, precipitação pluviométrica e déficit hídrico de 2.074 municípios.

    O trabalho seguiu padrões recomendados pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO). De acordo com a entidade internacional, a análise climática de uma região requer o estudo de uma série de 30 anos de dados meteorológicos e ambientais."
    Sudene

    A instituição assegura que os governos têm prazo até o fim de fevereiro para apresentarem recurso com "considerações embasadas pelos seus respectivos institutos estaduais de meteorologia". "O Conselho Deliberativo da Sudene procederá com nova análise, que acontecerá em até 120 dias, e apresentará os resultados na sua próxima reunião".

    Sobre prejuízos aos que forem excluídos em definitivo, a nota explica que o Conselho Deliberativo da Sudene instituiu uma regra de transição para assessorar os municípios que não se enquadraram nos contornos semiáridos.

    "As empresas ou produtores localizados nestas cidades que, até a data de entrada em vigor da nova resolução, tenham formalmente apresentado propostas, consultas prévias, cartas consultas ou projetos ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB) ou à Sudene pleiteando recursos do FNE ou do FDNE terão seus projetos ou propostas analisados como se no semiárido estivessem, mesmo que as operações de crédito ainda não tenham sido contratadas".

    Por fim, garante que as cidades retiradas continuarão recebendo apoio. "Os municípios excluídos continuarão a receber recursos, incentivos e apoio dos instrumentos e quaisquer outras iniciativas protagonizadas pela Superintendência", pontua.