Lei obriga mulher a ver imagens de fetos antes de aborto legal em Maceió
A Câmara de Vereadores de Maceió promulgou ontem uma lei que obriga as mulheres que buscarem o serviço de aborto legal na rede municipal a ter encontros com equipes de saúde para ver vídeos, fotos e ilustrações de fetos e receber "orientações sobre riscos e as consequências" do procedimento.
O que aconteceu
O projeto tramitou com forte rejeição de entidades ligadas ao direito das mulheres, que veem a lei como um constrangimento ilegal a quem busca o serviço. Além disso, os argumentos de risco são contestados por especialistas.
Houve campanha para que o prefeito João Henrique Caldas (PL) vetasse a lei, mas como ele ignorou o projeto (sem veto nem sanção). Com isso, o presidente da Câmara, Galba Novaes Netto (MDB), a promulgou e ela foi publicada no Diário Oficial de Maceió hoje e já está em vigor.
O projeto é de autoria do vereador Leonardo Dias (PL) e foi aprovado em fevereiro com 22 votos a favor e uma abstenção. Ele justificou a necessidade da lei "para que ela [a gestante] tenha dimensão do ato que vai fazer, seja para a própria saúde mental e física."
O que diz a lei
Segundo a lei, os estabelecimentos de saúde de Maceió estão "obrigados a orientar e esclarecer às gestantes sobre os riscos e as consequências do abortamento nos casos permitidos pela lei, quando estas optarem pelo procedimento na rede pública."
O texto determina que equipes multiprofissionais devem ser capacitadas para atuar prestando "esclarecimentos" não só à mulher, mas também aos seus familiares, sobre os "riscos do procedimento e suas consequências físicas e psicológicas."
Entre as "orientações" citadas, a lei obriga a uma apresentação "de forma detalhada e didática", "por meio de vídeos e imagens", dos "métodos utilizados para executar o aborto, se valendo, inclusive, de ilustrações, o desenvolvimento do feto semana a semana."
A lei estabelece que é necessário apresentar à mulher o programa de adoção.
Caso a gestante decida por levar adiante a gravidez, mas não queira manter o vínculo materno, a unidade de saúde que esteja lhe acompanhando deverá comunicar à Vara da Infância e da Juventude, com o objetivo de auxiliar e promover a adoção do recém-nascido por famílias interessadas.
Trecho da lei
Argumentos são falsos, diz especialista
Na lei também chama a atenção uma lista com 16 possíveis "efeitos colaterais" que devem ser apresentados a mulheres que buscam o procedimento, entre eles o "choro desmotivado, medos e pesadelos" e os "sentimentos de remorso e culpa."
A maioria dos itens apresentados, porém, são riscos comuns a qualquer procedimento hospitalar, como infecção, hemorragia ou inflamação.
O UOL apresentou a lista de supostos efeitos colaterais ao médico Olímpio Moraes, diretor da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros) e professor de medicina da UPE (Universidade de Pernambuco). Ele rebateu os argumentos.
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Quero receberÉ muito triste ver uma lei baseada em mentiras, com conteúdo baseado não na ciência, mas feito somente para a mulher desistir do abortamento seguro, que é o procedimento mais seguro em obstetrícia, quando feito em um hospital. Um parto normal é dezenas de vezes mais perigoso.
Olímpio Moraes
Para Moraes, "é mentira também dizer que a mulher vai ficar com sequelas" como as citadas na lei de Maceió.
Sequelas, as mulheres ficam quando ela tem retirado o direito à autonomia, à sua vontade. Obrigar uma mulher a conduzir uma gravidez quando há risco de morte é que pode levar à morte. Não tenho dúvida nenhuma que o que querem é matar as mulheres.
Olímpio Moraes
Procurada, a Secretaria de Saúde de Maceió não quis comentar sobre a lei, mas informou que, em casos de aborto legal, as gestantes já "são orientadas durante o pré-natal sobre os riscos do procedimento."
A SMS ainda ressalta que tais orientações são preconizadas por meio da Norma Técnica do Ministério da Saúde 'Atenção Humanizada ao Abortamento', cujo documento afirma que todos os profissionais de saúde devem promover o acolhimento, a informação, a orientação e o suporte emocional às gestantes, evitando julgamentos, preconceitos e comentários desrespeitosos, com abordagem que respeite a autonomia das mulheres e seu poder de decisão.
Secretaria de Saúde de Maceió
A promulgação da lei gerou reações contrárias.
A lei promulgada hoje pela Câmara age como um instrumento de revitimização das mulheres que tem direito ao aborto, nas modalidades em que ele é legalizado. Além do mais, a lei é inconstitucional e conta com um parecer da Procuradoria da Câmara, que atesta esse fato. Diante disso, irei provocar os órgãos de justiça para questionar mais uma vez a constitucionalidade dessa matéria.
Teca Nelma (PSD), vereadora
O mais incrível é que essa lei absurda não foi aprovada em nenhuma outra cidade do Brasil, simplesmente porque não há o que se discutir na seara municipal. Não se trata de uma mera ideologia ou vontade, estamos falando de algo definido por lei: o aborto legal e permitido no Brasil. Se o corpo masculino engravidasse o aborto já seria permitido no Brasil totalmente irrestrito. Essa Lei é inconstitucional e é criminosa.
Paula Lopes, advogada e presidente do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher
É desinformação desenhada para a tortura. Se há que 'esclarecer' ou 'conscientizar' para algo, é para as evidências científicas atualizadas: aborto feito conforme as indicações da OMS é um procedimento extremamente seguro. Essas meninas e mulheres são sobreviventes de violência já em profundo sofrimento. Forçá-las a rever as evidências dessa violência e das suas consequências com a gravidez não informa nem ajuda a decidir. Apenas as revitimiza.
Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora na Anis - Instituto de Bioética
Sobre o aborto legal e seguro
No Brasil, há três previsões legais para realização de aborto:
- Quando há risco à gestante
- Resultante de um estupro
- Caso de anencefalia completa
Na Câmara dos Deputados, tramita um projeto de lei de autoria de Sâmia Bonfim (PSOL) que define como crime de tortura constranger alguém ou agir para retardar, dificultar ou impedir a interrupção da gravidez dentro das hipóteses previstas em lei.
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