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Chico Alves

Para Malafaia, uso de igrejas para ajudar a criar partido é "imoralidade"

O pastor Silas Malafaia - Mauro Pimentel/AFP
O pastor Silas Malafaia Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Colunista do UOL

19/12/2019 04h00

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Diante do desafio de conseguir 491 mil assinaturas para viabilizar seu novo partido, Aliança pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro recebeu um apoio de peso. Líderes evangélicos, como o bispo Robson Rodovalho, presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, e o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, prometeram mobilizar fiéis pelo país para alcançar a meta. Um dos principais pastores aliados de Bolsonaro, no entanto, rechaça a ideia. "Eu sou tremendamente contra qualquer tentativa de instrumentalizar a igreja para partidos políticos", critica Silas Malafaia à coluna.

A afirmação pode surpreender, já que Malafaia, que é líder do ministério Vitória em Cristo e presidente do Conselho de Pastores do Brasil, apoiou Bolsonaro desde o primeiro momento da campanha. No entanto, explica que não se deve confundir engajamento pessoal com alinhamento da igreja a partidos.

Ele não mede as palavras para se referir aos religiosos que embarcaram na ideia. "Ficam aí uns puxa-sacos querendo fazer graça para ganhar cartaz, gente que quer aparecer na mídia, então tem que arrumar uns negócios para aparecer", contesta.

Malafaia explica que recebeu Bolsonaro em sua igreja logo após a eleição pois a Bíblia fala que é preciso abençoar as autoridades, não porque quisesse atrelar religião a política. Argumenta que faria o mesmo qualquer que fosse o vencedor.

Para exemplificar, conta que, oito meses antes do impeachment de Dilma Rousseff, foi convidado por ela para uma audiência. Aceitou, mesmo que àquela época fizesse críticas duras ao governo da petista. "Falei: presidente, pode ir à minha igreja que eu vou orar pela senhora", conta. Dilma não aceitou o convite. Malafaia disse que, apesar das críticas que fez a Lula, iria até mesmo à prisão em Curitiba para abençoá-lo se fosse convidado. "Não podemos partidarizar nossa vocação".

UOL - Como o sr. vê o movimento de pastores e entidades evangélicas que se dispuseram a colocar sua estrutura para ajudar a coletar assinaturas para a fundação do novo partido do presidente Bolsonaro?

Silas Malafaia - Eu separo a igreja de questões políticas. Quem apoia sou eu, não a igreja. Eu apoio quem eu decido e quero apoiar, sem interesse, com base naquilo que acredito. Acho que esse não é um papel para a igreja, que não pode ser instrumento político de ninguém no que tange a partido.

Por qual motivo eu nunca fui candidato a nada? Eu podia ser deputado federal. O Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), membro da minha igreja, é deputado federal. Por qual motivo eu não sou e nunca vou ser? Aprendi uma coisa: partidos são parte da sociedade, certo? Eu não sou de parte, eu sou do todo, a igreja é do todo, a igreja não é de partes.

Eu sou tremendamente contra qualquer tentativa de instrumentalizar a igreja para partidos políticos. Os evangélicos como cidadãos, sim, podem apoiar, podem se inscrever, podem fazer parte do que eles quiserem. Mas na hora que se envolve a igreja não acho que esse é um bom caminho. E, na minha visão, também não acho que o Bolsonaro precisa disso.

Tem uns caras que querem ser mais justos que o rei, querem fazer uma graça. Fiquei vendo alguns desses caras que estão falando isso, mas não vi esse pessoal na campanha dando a cara para apanhar. Não sei onde eles estavam. Eu sei onde eu estava.

A igreja é de Jesus, não apoia ninguém, quem apoia sou eu, quem apoia são as pessoas que pertencem à igreja. Dizer "a igreja tal vai apoiar", acho uma imoralidade um pastor, um líder evangélico dizer isso. Eu não apoio isso.

O sr., então, vai na contramão desse movimento?

Claro. Pergunto a você: quem tem mais acesso a Bolsonaro? Quem mais ajudou esse cara do que eu, com todo o respeito? No meio dos pastores? Para botar a cara, para botar pra quebrar? Desculpa, mais que o irmão aqui, ninguém. Mas eu sei fazer o divisor de águas. Não acho isso bom para a igreja, não acho isso bom para o Bolsonaro. A igreja está acima disso. Bolsonaro sabe. E ficam aí uns puxa-sacos querendo fazer graça para ganhar cartaz, gente que quer aparecer na mídia, então tem que arrumar uns negócios para aparecer. Eu fico vendo números de dados e fiéis que eles dizem que têm. Rapaz, é um negócio fantástico. Eu queria saber onde estão essas igrejas com esses fiéis.

Esse novo partido vai precisar mesmo de muitas assinaturas para se viabilizar...

O Bolsonaro tem apoio de uns 70% do mundo evangélico. Vamos fazer uma conta: se nós somos 60 milhões de pessoas, significa que tem 42 milhões que apoiam Bolsonaro. O que são 490 mil assinaturas?

O segmento que mais usa a redes sociais são os evangélicos. Pelo menos uma vez por semana, o evangélico está na igreja, tem uma interação pessoal. Isso tem uma força tão grande, tão louca. É só dizer:"Bolsonaro está pedindo ajuda" e os evangélicos ajudam. Não precisa chegar nesse viés de colocar a igreja a reboque.

A igreja está acima de política. Há 30 anos que eu me posiciono politicamente, nunca falei em nome de evangélicos. Sou presidente do Conselho de Pastores do Brasil, nunca falei em nome dessa entidade. Nunca falei em nome da minha igreja. Eu aprendi que quem defende sou eu, quem faz a escolha sou eu. Então, um pastor vir para cá dizer que tem não sei quantos milhões de fiéis, que tem isso e aquilo... Porcaria nenhuma. É pra inglês ver.

Mas se o sr. é líder da denominação evangélica, como os fiéis podem diferenciar se é um apoio pessoal ou da igreja?

Depende de como você fala, depende de como você coloca. Aqui entre nós: por que um pastor não pode se posicionar? O operário pode, o médico pode, o comerciante pode, o jornalista pode, por que eu não posso? Por que quando eu vou me posicionar eu estou falando em nome de meus fiéis? É ruim, meu irmão. O povo hoje é muito antenado.

Outra coisa: esses caras (pastores que propõem o apoio ao Aliança Pelo Brasil) não se posicionam época nenhuma, na eleição fica todo mundo quieto, ninguém bota a cara, só querem ir quando têm certeza que o cara vai ganhar. Agora você acha que eles são influência?

Fico bobo com os números que eles dizem que têm. A rede social deles deve ser então um troço muito grande, né? De alguns milhões, né? Ah, eu fico rindo, estou cansado disso. Eu falo isso direto para o presidente, não mando recado. Digo: a igreja não se mete nisso, não. Quem quiser apoiar é de cada um.

Vem com essa conversa de igreja, que eu vou entrar e bater de frente com quem quer que seja. Não tô nem aí. Minhas posições não estão á venda e não negócio com ninguém. Apoio intransigentemente Bolsonaro, mas falou em usar igreja para partido político, aí na-na-na-na-não... Não conte comigo.

Mas assim que foi anunciada a vitória do presidente nas urnas o sr. o recebeu na igreja...

A igreja Católica já levou tanta gente e ninguém fala sobre isso... Não tem erro nenhum. A Bíblia fala pra gente abençoar as autoridades. Se um prefeito, governador, presidente, eu gostando dele ou não, se for na minha igreja, eu vou orar por ele e vou abençoar.

Vou falar uma coisa que muita gente não sabe: eu convidei Dilma para vir na minha igreja, num momento em que eu estava 100% contra ela. Falei: presidente, pode ir à minha igreja que eu vou orar pela senhora. Ela não pôde vir. Esse é o meu papel.

Quando foi esse encontro?

Isso foi oito meses antes de ela tomar esse impeachment. Tive uma audiência com ela. Me chamou para conversar e eu a convidei. E ela sabe que eu botei pra ferver em cima dela nas eleições de 2014. Botei para quebrar, mas as pessoas sabem quando se tem coerência naquilo que se faz.
Meu manual de regras é a Bíblia. Tem um texto bíblico que diz assim: "Antes de tudo, se façam orações, súplicas, pelos homens que estão em eminência para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, porque isso é bom e agradável ao Senhor", Timóteo, capítulo II, o apóstolo Paulo dando uma instrução. A gente orar por uma autoridade não tem problema, oro por qualquer um. Se o PT ganhar, eu vou orar. É minha obrigação.

Se Lula se candidatar e procurar o sr. para orar, vai aceitar?

É a minha função, eu não posso negar uma oração a quem me pede. Não posso fazer isso, tenho que orar. Apoio, não. O apoio é meu. Apoio quem eu quero. Se o Lula ainda estivesse na cadeia e dissesse: "Chama o pastor Malafaia pra fazer uma oração por mim", eu ia lá e fazia a oração. E olha que eu bati nesse cara e bato até hoje. Chamo de Luladrão, digo que é o maior corrupto da história política do Brasil, mas esse é meu papel. Eu sou pastor.
Se como pastor eu sento a pua no Lula, aí me chamam para orar pelo Lula e digo que não... Aí eu partidarizei aquilo que eu não posso, que é a minha vocação.

Para leigos parece claro que as igrejas evangélicas apoiam o presidente Bolsonaro.

A igreja não apoia ninguém. Recebi mais de 40 correspondentes de televisão e jornais do mundo, na campanha eleitoral. Até a Al Jazeera fez uma reportagem comigo, até os islâmicos. Disse o seguinte: Bolsonaro não tem o voto evangélico apenas por defender aquilo que temos como nossa agenda. Não. Juntou a agenda cristã, com a questão da violência, combate à corrupção, o anti-PT, tudo isso juntou nesse cara. Não foi só a agenda evangélica. Garotinho também foi candidato a presidente, e daí? Teve 20% dos votos evangélicos.

O sr. foi convidado para esse movimento de apoio das igrejas ao Aliança Pelo Brasil?

Não... Eu falo com Bolsonaro toda a semana e ele nuca falou isso comigo, nunca me pediu isso aí. Eu quero saber quem está liderando isso que eu não conheço.

Digo que de 75% a 80% dos evangélicos apoiam Bolsonaro. Mas entre apoiar Bolsonaro e ser instrumento para criar partido político, a distância é daqui para Marte. E tem mais: 90% dos pastores não entram nessa. Os que organizam esse movimento não têm essa legitimidade. Vou dar risada, vou dar risada com força.