Maduro não é democrata, mas muitos de seus opositores também não são
Não há dúvida: a Venezuela está longe de ser uma democracia. Por mais que alguns simpatizantes tentem amenizar as agressões do regime de Nicolás Maduro à institucionalidade, as marcas da autocracia estão por toda a parte. A última aberração é a exclusão dos principais concorrentes de Maduro na eleição presidencial (Henrique Capriles e Maria Corina Machado).
Além disso, há denúncias de prisões arbitrárias de opositores, ameaças contra grupos políticos divergentes e cooptação dos militares por meio de privilégios vultosos, entre outras aberrações.
Lula sabe que o regime venezuelano não é democrático. Não quer admitir isso em público talvez porque Maduro defenda no discurso objetivos elogiáveis, caros à esquerda, como a redução da desigualdade social. Na prática, porém, os dois são muitíssimo diferentes — o presidente brasileiro é um democrata.
Dito isso, é preciso destacar: quem quiser avaliar adequadamente a complexidade da questão da Venezuela terá que deixar de lado o maniqueismo e olhar não só para o governo.
Algo que dificulta a solução do problema é o déficit democrático que se constata também nos oponentes internos e externos de Nicolás Maduro.
Entre os adversários internos, há grupos extremistas que já chegaram a lançar mão de métodos terroristas contra o governo. Foi o que aconteceu em agosto de 2018, quando houve um atentado a bombas, que foram lançadas de drones. O objetivo era matar Maduro no evento de comemoração do aniversário da Guarda Nacional Bolivariana.
Outro recurso que nada teve de democrático usado pela oposição da Venezuela foi exibir ao mundo o político Juan Guaidó como um autodenominado presidente do país. Apesar de não ter nenhuma legitimidade, já que não foi escolhido por eleição, Guaidó foi reconhecido por vários países, inclusive o Brasil, como chefe do governo venezuelano.
Os inimigos de Maduro acreditavam que com um presidente fake poderiam conseguir respaldo para uma intervenção militar na Venezuela. A pantomima obviamente deu errado e Guaidó acabou caindo em desgraça depois de denúncias de corrupção. O episódio certamente entrará para a História como uma das maiores farsas já perpetradas na América Latina — com o aval de grandes potências.
O grande opositor externo de Maduro foi o ex-presidente americano Donald Trump. Recentemente, Trump deu entrevista para criticar a diplomacia de Joe Biden. Admitiu que
se tivesse sido reeleito em 2020, teria "tomado" o território venezuelano.
"Quando eu saí, a Venezuela estava prestes a colapsar. Nós teríamos tomado o país e pegado todo aquele petróleo. Seria ótimo", afirmou.
Nessa disputa pelo destino dos venezuelanos, quem são os players realmente interessados em restaurar a democracia? Não é Nicolás Maduro, mas também não é a oposição terrorista, não era o autoritário Donald Trump, não é o farsante Juan Guaidó. E também é questionável supor que sejam os governos da França, Reino Unido, Alemanha, Portugal, Holanda, Suécia, Estados Unidos e tantos outros que apoiaram Guaidó em sua mentira.
Lula acerta ao indicar o recurso da negociação, que ele conhece tão bem, para tentar ajudar a restaurar a normalidade na Venezuela.
Não há certeza de sucesso, mas todos já viram que o caminho do boicote não afeta o governo venezuelano. O resultado visível é apenas aumentar o sofrimento do povo.
Maduro age como autocrata, mas para que essa negociação dê certo é preciso encarar com realismo parte da oposição venezuelana e os representantes estrangeiros que também seguem a cartilha autoritária.
Afinal, como se sabe, não existe democracia relativa — nem para um lado e nem para o outro.
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