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Chico Alves

Depois de um 2019 desses, dá para desejar feliz Ano-Novo?

Réveillon na praia de Copacabana, Rio de Janeiro - Getty Images/iStockphoto
Réveillon na praia de Copacabana, Rio de Janeiro Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

01/01/2020 08h31

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Lembra o tempo em que a gente desejava "feliz Ano-Novo" com sinceridade? Quando o primeiro dos 365 dias marcava a travessia de um portal para uma era cheia de esperanças? Época em que cada Réveillon renovava a certeza de que caminhos bacanas se abririam nas nossas vidas?

Saudade desse tempo.

Na passagem de 2019 para 2020 não rolou esse clima. Nesses últimos dias, ao me dar conta de que soltava um "feliz Ano-Novo" para alguém, pela força do hábito, quase engoli a frase de volta. Medo de parecer gozação: como assim, falar em felicidade, depois da barra pesada que vivemos no ano que terminou?

Estamos cercados de infelicidade.

Desculpe tratar disso nesse dia de ressaca, mas não dá para esquecer que somos o segundo país mais desigual do planeta, que o desemprego atormenta mais de 11 milhões de pessoas e que boa parte dos que conseguiram trabalho nos últimos meses está na informalidade, com remuneração pífia e direito quase nenhum. Nem a garfada no tender, nem o gole de Prosecco do Réveillon ajudaram a engolir esse pepino.

Na economia, os engravatados que deveriam olhar pelos brasileiros empobrecidos fazem justamente o contrário. Depois de uma reforma da Previdência financiada por quem ganha menos (Judiciário, Forças Armadas e outros privilegiados ficaram de fora), Paulo Guedes propôs que desempregados paguem pela desoneração das empresas e planejou um novo programa de ajuda aos bancos com dinheiro público (!).

Sugerir tirar grana de quem não tem emprego enquanto quer dar recursos públicos aos bancos é uma inovação do ministro Guedes em termos de crueldade praticada por tecnocratas.

Os ministérios, aliás, foram um capítulo à parte nesse ano infeliz. Ministros que detestam a cidadania, a educação e o meio ambiente ocupam as pastas de cada uma dessas áreas.

Na cultura, o responsável é um sujeito que renega os principais artistas e as manifestações artísticas do país para privilegiar fundamentalistas evangélicos. Tem ojeriza a cinema, música, teatro, artes plásticas.

Em 2019 ainda tivemos atentado terrorista, aumento da violência policial (que já não era pequena), queimadas na Amazônia, óleo no litoral nordestino, assassinato de indígenas...

Isso tudo com o tempero da tal polarização entre grupos com posições políticas divergentes, que muita gente imaginava que não passaria da campanha eleitoral de 2018. Engano. A artilharia de ofensas ao vivo ou pela internet continuou pesada, como provavelmente você poderá confirmar nos comentários abaixo deste artigo.

Não se viu nem sinal de um projeto alternativo capaz de unir o país em torno de metas que não sejam rancor e exclusão.

Diante dessa sequência de dissabores, bateu a nostalgia daquele tempo em que apertávamos um amigo ou parente num abraço emocionado para desejar com fervor que o novo ano trouxesse felicidade — e acreditávamos no que estávamos desejando.

Está aí um bom objetivo a ser alcançado em 2020.

Se outros desejos forem mais difíceis de realizar, pelo menos que ao fim dos próximos doze meses possamos reacender a esperança para fazer uns aos outros votos de felicidade sinceros, não apenas para seguir o protocolo.

A tentativa de reconstrução começa hoje. Vamos ver se lá na frente consigo desejar a todos um feliz 2021.