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Armar população em nome da segurança pública é absurdo, diz Santos Cruz
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"Absurdo" foi a palavra mais repetida pelo general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, nesta entrevista à coluna sobre os últimos decretos presidenciais que liberam ainda mais as regras sobre posse e porte de armas e munições no país.
Entre outras mudanças previstas nos textos assinados na sexta-feira, 12, caçadores registrados e atiradores passam a poder comprar até 30 e 60 armas, respectivamente, sem precisar de autorização expressa do Exército.
Santos Cruz critica desde a falta de critérios técnicos para basear os decretos até o conceito de que armar a população tornaria o país mais seguro. "Estimular as pessoas a andarem armadas por uma questão de segurança pública não tem sentido, é absurdo", diz o general.
O ex-ministro reclama da possibilidade de uso de armamentos para fins políticos, como defendeu o presidente Bolsonaro na reunião presidencial de abril de 2019. Além disso, Santos Cruz chama atenção para o contexto de polarização no país. "O fim do filme de qualquer sociedade dividida é a violência", lamenta.
Ao fim da entrevista, o general diz que não pensa em se candidatar a cargo eletivo em 2022, mas não descarta essa possibilidade.
UOL - Qual sua avaliação sobre os últimos decretos do presidente Jair Bolsonaro que liberam ainda mais a posse e porte de armas, chegando em alguns casos a 60 peças?
Carlos Alberto Santos Cruz - Em primeiro lugar, esses decretos estão completamente fora da prioridade nacional. No momento o Brasil tem outros problemas.
Além disso, não há critério técnico, essa mudança tem uma motivação muito ruim.
Você vai mexer na estrutura do comércio de armas e munições que já existe e está regulado. Para mexer nisso, é preciso ter um critério técnico.
Esse tipo de comércio é baseado no direito de você adquirir arma, seja para a defesa pessoal ou patrimônio, seja para caça e esporte. Mas temos absurdo quando se diz que essa mudança vem para melhorar a segurança pública.
Segurança pública é uma obrigação do Estado, que tem que prover esse serviço aos cidadãos. Estimular as pessoas a andar armadas por uma questão de segurança pública não tem sentido.
Qual o efeito desse tipo de colocação por parte do presidente Bolsonaro?
Quando uma autoridade faz uma colocação dessas está transformando na cabeça de muita gente o conceito de segurança pública. Uma coisa é a defesa pessoal, defesa do patrimônio ou direito de aquisição. Essa é uma questão de liberdade individual, que deve ser regulada, e já é. Outra coisa é esse absurdo.
Vamos ver o que foi feito nessa área, qual foi o plano de segurança pública. O que está sendo feito para melhorar as condições de trabalho das polícias, o equipamento, o salário, o sistema de serviço, aperfeiçoamento, proteção legal.
Dizer que a pessoa se armar é ação de segurança pública é algo que não tem qualificação.
Na reunião presidencial de abril de 2019, o presidente defendeu armar a população. Deu ao assunto uma conotação política.
Essa motivação é mais absurda ainda. Você tratar a aquisição do armamento dentro do conceito de liberdade individual é uma coisa, já estimular isso como opção política é inconsequência.
Com esses últimos decretos, algumas categorias chegam a poder comprar 60 armas. Não acha algo perigoso?
Toda essa alteração aí é baseada em quê? Qual o critério técnico? Ou é baseada na vontade da pessoa que fez, no achismo?
Outra coisa é que toda essa modificação não é acompanhada da melhoria na parte de registro e rastreamento. Algum tempo atrás, inclusive, um órgão técnico do Exército fez portarias para melhorar o controle e o rastreamento que depois foram anuladas (pelo presidente). Isso é muito ruim.
Esse controle é dividido entre Exército e Polícia Federal. Então, é preciso uma melhoria nessa parte, é preciso unificação de sistemas. Isso não é feito e com isso se perde a capacidade de fiscalização. Até porque o número de armas com essas medidas aumenta de uma maneira muito forte e você perde a qualidade da fiscalização seja no Exército ou na PF.
Mas não lhe parece que a intenção é mesmo essa, enfraquecer a fiscalização?
Se a ideia é aumentar a circulação de armas e munições e diminuir ou não acompanhar com um sistema de controle e rastreamento é algo irresponsável.
Tudo isso num ambiente polarizado, de extremismo, de fanatismo? Isso é muito ruim. O contexto é que nós estamos vendo investida muito forte no extremismo e na polarização.
Com a sociedade dividida, alguns pensam que se você não é amigo você é inimigo. Isso pode desaguar em violência. O fim do filme de qualquer sociedade dividida é a violência.
Apesar de se falar muito em polarização, esse incentivo à multiplicação e descontrole das armas vem de um setor em especial. Nem da direita, nem da esquerda, mas da extrema-direita ligada ao presidente Jair Bolsonaro. Não lhe parece?
Isso é coisa de grupo extremista que tenta pegar o máximo de influência possível no governo. É algo muito nocivo. Traz deterioração para o ambiente social. O extremismo é muito semelhante, seja da direita ou seja da esquerda.
Mas para não correr o risco da falsa simetria, nesse momento o discurso vem apenas dos grupos ligados ao presidente Bolsonaro. A esquerda, inclusive, defende desarmamento.
Nesse caso aqui, sem dúvida nenhuma, o governo atende o grupo extremista dele. Até porque o extremismo oposto, que viria da oposição, está muito desfigurado, muito enfraquecido.
Nesse momento é uma iniciativa do Executivo para atender uma parcela do eleitorado dele.
O presidente Bolsonaro já disse, se referindo à invasão do Capitólio, nos EUA, que em 2022 pode acontecer algo muito pior aqui, se continuarmos com o voto em papel. Com essa escalada de liberação de armas, o horizonte não parece sombrio?
Essa é uma afirmação de total falta de responsabilidade. O forte do processo eleitoral é a credibilidade. Uma autoridade constituída não pode colocar o descrédito o processo eleitoral, principalmente o processo que deu a vitória a ela. Foi eleição limpa, o presidente ganhou e a vitória foi legítima.
Aquela história de que (Bolsonaro) ganharia no primeiro turno se não fosse roubada, foi uma declaração completamente irresponsável. Ou se apresenta as provas ou ajuda a melhorar o sistema.
Acho que o Tribunal Superior Eleitoral poderia criar mecanismos para garantir o sentimento de confiança da população, como o voto impresso por amostragem, a divulgação de auditorias feitas por partidos políticos ou grupos de partidos.
Há vários recursos para aumentar essa tranquilidade na população. Aqueles que têm o discurso para desprestigiar o processo têm que ser responsabilizados legalmente. Ou então você pode gerar violência no processo.
Essas são questões completamente fora de tempo. O Brasil tem o problema da pandemia, o problema da vacina, a pandemia que foi toda mal administrada, agora a vacina em falta, com cidades interrompendo imunização. Temos o problema da economia, que muita gente não está dando importância.
Temos muitas coisas importantes para resolver, para ficar tratando de armas. Isso é falta de foco e o país fica desorganizado.
Tudo piora com a falta de respeito institucional, a falta de respeito pessoal nas discussões. As agressões pessoais são mais importantes que discutir o tema. Xingamentos no mais baixo nível possível.
Como evitar esse descontrole na comercialização e fiscalização das armas?
Espero que o Congresso chame a responsabilidade e faça a discussão que precisa ser feita. Tem quinhentos e poucos representantes lá que são a favor e contra. É uma representação legítima da sociedade e não coisa saída da cabeça de uma pessoa só, com motivações completamente distorcidas.
Uma pergunta inevitável: considera concorrer a cargo eletivo em 2022?
Por enquanto, não. Nunca tive esse tipo de planejamento na vida.
Agora, isso para mim só vai acontecer na última hora mesmo. Não consigo ficar raciocinando sobre isso, planejando isso. Não é minha característica.
Pressionado pelo tempo você acaba decidindo. Vou deixar o tempo mais uma vez definir.
Mas não descarta, então?
(risos) Não.
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