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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Parte mais grave do caso da muamba de Bolsonaro não está nos vídeos

Colunista do UOL

09/03/2023 14h37Atualizada em 09/03/2023 21h15

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Poucas vezes se viu um escândalo presidencial com tantas provas quanto esse das joias enviadas pelo governo saudita a Jair Bolsonaro. Além dos documentos oficiais de retenção da muamba milionária na Receita Federal, há vídeos, depoimentos e fotos. Também se soube de uma outra muamba (essa avaliada em pelo menos R$ 400 mil), da qual o próprio Bolsonaro admitiu ter-se apropriado.

Como o ex-presidente não fez o que era o certo — incorporar os objetos preciosos ao acervo da Presidência —, em várias frentes será investigado pelos crimes de peculato e descaminho. Isso já seria vergonhoso o bastante para o político que conseguiu chegar ao Palácio do Planalto com a bandeira de combate à corrupção.

Mas a encrenca é ainda mais grave

O valor das joias retidas na Receita somado ao preço do kit masculino que Bolsonaro surrupiou supera os R$ 17 milhões. Cifra muito distante dos presentes trocados entre chefes de Estado.

Nem mesmo Donald Trump, o ex-presidente americano, recebeu dos sauditas presente de valor nem sequer próximo a esse. Na relação disponível no site do governo dos Estados Unidos, os mimos mais caros não passam de R$ 100 mil, não há nada parecido com R$ 17 milhões.

Recentemente aposentado, depois de 44 anos de serviços prestados à diplomacia brasileira, o embaixador Paulo Roberto de Almeida contou à coluna que nunca soube de presente dessa magnitude.

"Alguns ditadores africanos costumavam dar presentes suntuosos para seus antigos colonizadores, buscando vantagens", recorda ele. "Bokassa, da paupérrima República Centro-Africana, deu diamantes a Valéry Giscard d'Estaing, presidente francês. Mobutu, do Zaire, também deu presentes sofisticados aos membros do governo belga. Mas nunca ouvi falar de presentes na faixa de mais de US$ 500 mil".

Também se recorda dos árabes da Opep, que na época da crise do petróleo passaram a dar presentes caros. Nada, porém, que ultrapassasse a faixa dos milhares de dólares.

Diante disso, resta a pergunta: por quais motivos ou em troca de quais favores os sauditas resolveram encaminhar a Jair Bolsonaro joias tão preciosas, entregues a seu ministro às pressas, no aeroporto, como se fossem fatias de um bolo da tia ou um singelo álbum de fotos?

A resposta a essa questão não está nos vídeos e documentos que vieram à tona desde que os jornalistas Adriana Fernandes e André Borges, do Estadão, publicaram as primeiras matérias sobre o assunto. Vai depender de uma trabalhosa investigação, que talvez tenha que escrutinar fundos de investimentos árabes e ganhe amplitude internacional.

Por enquanto, Bolsonaro deve se dar por feliz por ter apenas sido flagrado como ex-presidente muambeiro.

Seguindo o fio dessa história, tudo indica que será possível chegar a uma acusação muito pior.