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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Ao ignorar enchentes, Bolsonaro indica que golpe ainda é carta na manga

Trecho que Bolsonaro andou de jet ski foi cercado por grades para banhistas não entrarem - Dieter Gross/Ishoot/Estadão Conteúdo
Trecho que Bolsonaro andou de jet ski foi cercado por grades para banhistas não entrarem Imagem: Dieter Gross/Ishoot/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

30/12/2021 17h58

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* Vinícius Rodrigues Vieira

A pergunta que não cala é o que o presidente Jair Bolsonaro (PL) ganha ao ignorar as enchentes que assolam os moradores da Bahia. Em situações de desastre, a um chefe de Estado e de governo não cabe, somente, assinar documentos para liberar recursos. Fosse esse o caso, já poderíamos substituir os chefes do Executivo por robôs dotados de inteligência artificial. Numa República, o presidente é face da nação e deve reconfortá-la nos momentos de dor.

Bolsonaro, porém, é imune à dor alheia, tal como pudemos ver ao longo de quase dois anos de pandemia. Ele segue a filosofia de muitos para quem, diante do que seria sobrenatural, nada podemos fazer. Nosso "Messias" parece bradar: vinde a mim os pobres e desvalidos e, por vós, nada farei, pois vosso destino é sofrer neste reino e em qualquer outro.

Tais evidências remetem à psicopatia na esfera pessoal. Na esfera pública, considerando o contexto em que vivemos, Bolsonaro dá cada vez mais indícios de que ainda planeja, sabe-se lá com que apoio, um golpe para 2022. É evidente que, após o fracasso da investida de 7 de setembro, o presidente assumiu o figurino de lobo em pele de cordeiro, reservando sua retórica golpista para a claque mais fiel. Sem força política, não tinha alternativa senão recuar.

A contínua semeadura do caos, mesmo com o ciclo eleitoral de 2022 já em marcha, sugere que Bolsonaro e seus assessores mais próximos ainda vislumbram um 6 de janeiro à brasileira -- uma tentativa de golpe que envolve a contestação do resultado das eleições presidenciais, tal qual ocorreu nos Estados Unidos de Trump. Ou, face à ausência de apoio na sociedade e mesmo entre os militares para empreeender uma quartelada, o bolsonarismo deve se converter em milícia, de fato, visando atazanar a vida do próximo ocupante do Planalto a partir de 1º de janeiro de 2023.

Recorrendo a locautes, ativismo judiciário e bloqueios de estrada, a futura milícia oposicionista de Bolsonaro pretende inviabilizar um muito provável governo liderado por Lula. Assim, por que aceitar receber ajuda humanitária de um "comunista" como Alberto Fernández, presidente da Argentina, cuja oferta de auxílio aos moradores da Bahia foi bloqueada pelo Itamaraty do "moderado" (ou seria pau-mandado?) Carlos França?

A depender da extensão do caos que Bolsonaro semeará nos seus últimos 365 dias de mandato e, em caso de derrota na eleição, ao longo dos quatro anos seguintes enquanto líder de oposição, a proposta de golpe pode adquirir ressonância considerável na sociedade e na caserna.

Enquanto a última tem o bolsonarismo como vírus dominante nas patentes mais baixas, a primeira possui, segundo o Datafolha, incríveis 44% de eleitores que acreditam num possível domínio comunista no Brasil durante os próximos anos. Caso evoluamos para um cenário de caos extremo, não há general pretensamente democrata no Tribunal Superior Eleitoral capaz de contornar tamanha loucura.

Caro leitor, não olhe para cima, tampouco para baixo: olhe para frente, de queixo erguido e encare a História: a cadela do fascismo ainda procria nos trópicos, em meio ao sangue derramado pela negligência das elites convenientes.

Pensando bem, foi assim durante a maior parte do nosso passado, inclusive durante os quase 200 anos de vida independente. O interregno bolsonarista tende a perdurar por mais cinco anos no mínimo, independentemente do resultado das eleições de 2022. Sendo assim, feliz 2027 para quem não sucumbir até então. Até lá, cada um por si e Bolsonaro contra todos.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.