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Contra terror bolsonarista, Lula precisa tomar posse o quanto antes
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* Vinícius Rodrigues Vieira
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice Geraldo Alckmin (PSB) correm o risco de enfrentar um limbo político-jurídico entre a virada do ano, à meia noite de 1º de janeiro de 2023, e a hora da posse em seus respectivos cargos, em sessão solene do Congresso Nacional, prevista para a tarde do mesmo dia.
O que ocorrerá caso o presidente golpista-terrorista Jair Bolsonaro (PL) vá às vias de fato e, direta ou indiretamente, avance contra a democracia entre a zero hora do primeiro dia do ano e o momento previsto para que Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado, comande os trabalhos de investidura dos eleitos para liderar o Executivo?
O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), indicou nesta segunda-feira (26), entender que Lula já será presidente em exercício logo após o fim do dia 31 de dezembro. Segundo relato do G1, Lula "vai antecipar atos administrativos para as primeiras horas do dia 1º de janeiro a fim de evitar 'instabilidade'". Trata-se de uma resposta aos planos terroristas-golpistas de fazer explosões em Brasília e forçar um estado de sítio, tal como descrito por George Washington de Oliveira Souza, preso por ter plantado um explosivo em acesso ao Aeroporto Internacional da capital.
Lula parece endossar a tese de que, a partir da zero hora do primeiro dia de 2023, Bolsonaro deixará de ser "Cinderela"— ou seja, presidente — e voltará a ser "Gata Borralheira", tanto que o eleito teria cogitado editar uma portaria-relâmpago para permitir a entrada do esquerdossauro Nicolas Maduro, autocrata que governa a Venezuela.
Ex-juiz, Dino certamente sabe mais de Direito que este escriba. Porém, chama a atenção a interpretação dele quando confrontada com o que está escrito no capítulo 2 da Constituição Federal, que dispõe sobre o Poder Executivo. Nele, a seção 1 versa sobre o Presidente e o Vice-Presidente da República.
Conforme redação dada pela Emenda Constitucional 11/97, que rege o período para o qual Lula e Alckmin foram eleitos, lê-se no artigo 82 que "o mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição". Ressalta-se que já está em vigor a emenda 111/21, que determina que, para o presidente eleito em 2026, o mandato começa em 5 de janeiro, data-limite para a chapa vencedora neste ano deixar o poder. Porém, independentemente da data de posse, um trecho anterior da Constituição deixa clara a necessidade de posse para o exercício do mandato. Confiramos.
"Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago".
Ou seja, cabe a interpretação de que, sem a posse no prazo de dez dias decorridos desde 1º de janeiro, caso o cargo de Presidente ou Vice-Presidente não tiver sido assumido, cada um deles estará vago. Sendo lógica essa conclusão, é inevitável perguntar se, na surdina, os golpistas-terroristas e seus financiadores e apoiadores de coturno não contam com a possibilidade de causar tumultos no começo de 2023 que impediriam o Congresso Nacional de se reunir para dar posse aos eleitos, abrindo, assim, margem para uma violação da ordem democrática.
Portanto, à luz dessa interpretação da Constituição e daquilo que temos testemunhado às portas dos quartéis desde a vitória da chapa Lula-Alckmin, seria prudente evitar qualquer ambiguidade. A posse de Bolsonaro se deu entre 15h e 16h de 1º de Janeiro de 2019. Assim, considerando o artigo 82, pode considerar que o término de seu mandato e do Vice-Presidente Hamilton Mourão somente ocorrerá exatamente quatro anos depois, entre 15h e 16h, de 1º de janeiro de 2023.
Como o mesmo artigo 82 não fixa um horário para a posse, o vácuo de poder somente poderia ser preenchido sem qualquer ambiguidade caso Pacheco declare empossados Lula e Alckmin exatamente à zero hora do próximo domingo, no primeiro segundo do ano novo.
Notícias indicam que Bolsonaro vai deixar o país em 28 de dezembro próximo rumo ao condomínio onde seu ídolo-mor, o ex-presidente americano Donald Trump, vive na Flórida. Uma apurada leitura da Carta Magna também levanta suspeitas sobre a data escolhida pelo presidente para deixar o país — quatro dias antes da posse do sucessor. Na Constituição, nada se diz sobre o titular do Executivo ser obrigado a passar o cargo ao Vice-Presidente caso esteja fora do território nacional. Ambos, segundo o artigo 83, poderiam perder seus respectivos cargos apenas se permanecerem fora do país "... por período superior a quinze dias" sem licença do Congresso.
Ou seja, desde os Estados Unidos, Bolsonaro ainda disporia de poderes capazes de tumultuar a transição, isso para não citar a hipótese plausível de que Mourão — cuja história é repleta de declarações golpistas — exerça a Presidência de fato e lave as mãos perante eventuais atos terroristas.
Já defendi neste espaço que, caso houvesse forças militares leais à democracia, Bolsonaro já teria sido preso ou forçado a renunciar, num movimento análogo àquele que garantiu a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência em 1956. No entanto, como sobram golpistas e faltam soldados em Brasília, Dino, Pacheco e demais membros do establishment político verdadeiramente democratas devem considerar a sério transferir a posse de Lula e Alckmin para o primeiro segundo de 1º de janeiro de 2023.
Mais que uma posse na calada da noite, seria útil e simbólico enterrar a era Bolsonaro antes da alvorada. A banalidade do mal dos últimos quatro anos pode contaminar de modo irreversível os raios de sol do amanhecer em que a alegria, embora ainda seja sonho, terá deixado de ser quimera.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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