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Eleições americanas sinalizam recuo do trumpismo

Ex-presidente dos EUA Donald Trump - REUTERS/Brian Snyder
Ex-presidente dos EUA Donald Trump Imagem: REUTERS/Brian Snyder

Colunista do UOL

11/11/2022 14h42

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* Raphael Tsavkko Garcia

As urnas seguem sendo apuradas nos Estados Unidos e é possível que os republicanos consigam maioria no Senado e na Câmara, porém não resta dúvida de que, ainda assim, o clima é de derrota. Ao menos o trumpismo, força predominante no partido, saiu derrotado do pleito.

Os sinais claros vêm da liderança republicana e mesmo de setores da mídia conservadora que até outro dia eram simpáticos ao ex-presidente extremista: o trumpismo está se esgotando. Seu discurso radical, antidemocrático, fanatizado, em boa parte do tempo descolado da realidade, e extremamente semelhante ao bolsonarismo, dá sinais de que não é mais capaz de gerar o mesmo engajamento de outrora.

Os republicanos — e muitos analistas — previam uma "onda vermelha", com o partido conseguindo maioria folgada em ambas as casas. A candidata ao governo do Arizona, Kari Lake, fez campanha afirmando que, se perdesse, seria por fraude. Lake, neste momento, está perdendo a eleição por um ponto percentual.

Qualquer semelhança com o discurso bolsonarista não é mera coincidência. Bolsonaro se elegeu na esteira de Trump. O ex-presidente norte-americano, por sua vez, sofre derrocada na esteira de Bolsonaro. A ligação entre os dois é clara, assim como é claro que ambos fazem parte de um movimento global de extrema direita que está em refluxo nas Américas — apesar de crescer na Europa. Os discursos e métodos são semelhantes e, no caso destes dois líderes, parece que seus destinos estão ligados.

No fim, ambos foram incapazes de conseguir a reeleição — algo raro nos Estados Unidos, algo inédito no Brasil —, possuem seguidores com um nível de fanatismo que desafia a razão, mantiveram discursos de negar o resultado das urnas e seus discursos incitaram apoiadores a tomar as ruas.

Cheguei a pensar que Bolsonaro seria capaz de, uma vez na oposição, manter uma robusta base que, junto ao Centrão, poderia tornar a vida de Lula difícil. Acredito que me enganei. O Centrão rapidamente pulou no colo do futuro dono da chave do cofre, e até mesmo lideranças fundamentalistas evangélicas já mostram disposição a negociar com o "diabo" porque, pelas mesmas razões do Centrão, ele tem a chave do cofre. E, aparentemente, Jesus gosta mesmo é de dinheiro.

É fato que a extrema direita brasileira crescerá na próxima legislatura. Ao menos em uma primeira olhada, resta saber quantos estarão efetivamente mais interessados em dinheiro e em estar perto do poder do que em realmente serem ideológicos. Fato é que, nos Estados Unidos, a "onda vermelha" fracassou — segundo o presidente Joe Biden, "perdemos menos assentos na Câmara dos Deputados do que as primeiras eleições democráticas em pelo menos 40 anos."

Bolsonaro conseguiu formar uma base considerável no parlamento, mas poderá perder boa parte dela logo em janeiro. Já os republicanos podem conseguir maioria nas duas casas, mas os resultados ficarão (muito) aquém do esperado. Em ambos os casos podemos falar que Trump e Bolsonaro perderam na vitória.

A governabilidade tanto de Lula quanto de Biden não será fácil — um por ter que possivelmente governar em minoria, outro por ser forçado a fazer acordos com a pior escória da política brasileira —, mas ambos sobreviverão, juntamente com a democracia.

O trumpismo e o bolsonarismo também seguirão vivos. Terão força, mas podem vê-la diminuir pouco a pouco, de um lado pelo cansaço de lideranças conservadoras tradicionais, do outro pelo afastamento do poder e da chave do cofre, e principalmente pelo cansaço da mensagem que vendem, do radicalismo boçal, do ódio que pregam incessantemente. Terão espaço, nicho, mas dificilmente a mesma força de outrora.

Claro, isso dependerá também do grau de sucesso de Lula e Biden em reerguer suas economias e em dialogar com diferentes camadas da população, assim como de seus apoiadores mais fanáticos de serem contidos — e aqui entram, também, os identitários ou "wokes", cujo discurso supremacista reforça os discursos da extrema direita e joga milhares, senão milhões de eleitores no colo do outro lado, além de serem um perigo para a própria esquerda com seus cancelamentos e silenciamentos.

2023 será um ano interessante na política de Brasil e Estados Unidos. A extrema direita sofreu baixas, mas, a essa altura, é evidente que o dano já está feito. QAnon, conspirações de todo tipo, grupos fascistas nas ruas, fake news em redes sociais e pessoas vivendo em realidades paralelas são fatores que vieram para ficar. E todo cuidado é pouco, pois qualquer erro do campo democrático poderá custar caro.

* Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e doutor em direitos humanos pela Universidade de Deusto. Contribuiu para veículos como Foreign Policy, Undark, The Washington Post, Deutsche Welle, entre outros.