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Sob a sombra do golpismo, Lula e Alckmin subirão a rampa do Planalto

Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, acompanhados do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) após reunião com o presidente eleito do TSE  - Pedro Ladeira/Folhapress
Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, acompanhados do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) após reunião com o presidente eleito do TSE Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

01/12/2022 12h43

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subirá a rampa do Planalto para iniciar seu terceiro mandato acompanhado não apenas pelo seu companheiro de chapa Geraldo Alckmin (PSB). Atrás dos dois estará um fantasma chamado golpismo militar — a maior das heranças malditas a serem deixadas por Jair Messias Bolsonaro e Hamilton Mourão a seus sucessores.

Há 20 anos, a grande imprensa clamava que Lula recebia de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) um país com a democracia consolidada, numa clara tentativa de relativizar as incertezas que o petista enfrentaria na economia após oito anos de constantes crises internacionais enfrentadas pelo tucano. O PT rotulou o legado de FHC como "herança maldita" — nada comparado à tríplice crise deixada por Bolsonaro: anarquia militar, economia e contas públicas em frangalhos, descrédito com o sistema eleitoral e instituições, notadamente o Supremo Tribunal Federal.

Portanto, Lula 3 começará encarando uma crise tripla. Para não morrer na praia, seu governo terá que debelar a mais grave de todos os problemas: o golpismo militar e a anarquia provocada por comandantes e pelo próprio Bolsonaro ao fazerem da ameaça aos demais poderes da República o seu ganha pão. Agora, é a vez da insubordinação de estratos inferiores e, até mesmo, de comandantes das Forças Armadas —que acham constrangedor bater continência ao presidente-eleito — fomentarem os anseios daqueles que ambicionam um novo 64 em pleno século XXI.

Algo está fora da ordem quando uma parlamentar que recebeu quase um milhão de votos pede, sem pudores, a generais que um golpe seja dado e a Justiça não reage e seus pares fingem que nada se passa. É o caso da bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), que disse em vídeo: "Dia 1º de janeiro, senhores generais quatro estrelas, vão querer prestar continência a um bandido ou à nação brasileira? Não é hora de responder com carta se dizendo apartidário. É hora de se posicionar. De que lado da história vocês vão ficar?"

Conforme escrevi em 21 de novembro nesta coluna, "esqueça a economia: é a democracia, estúpido!". Desde então, as Forças Armadas se moveram no jogo de xadrez do qual depende a sobrevivência do regime em que o poder emana do povo. Numa manobra suspeita, Exército, Marinha e Aeronáutica avisaram que indicariam novos comandantes antes da posse de Lula, sob a esquisita justificativa de não constranger o presidente eleito.

Nos dias seguintes à publicação dessa informação, divulgada em 23 de novembro, uma explicação mais verossímil emergiu: na verdade, o objetivo da troca de comando antecipada é deixar o novo governo de mãos atadas, fazendo-o engolir a escolha dos militares, chancelada por Bolsonaro. Lula até tenta recuperar a autoridade de futuro comandante-em-chefe sinalizando que deve nomear como ministro da Defesa o experiente político José Múcio Monteiro, ex-ministro do Tribunal de Contas da União e próximo a militares.

O problema é que Múcio tem a simpatia de Bolsonaro. Assim, o presidente eleito, na prática, subordina-se aos militares. Não seria uma capitulação caso houvesse plano de saída no futuro. Desse modo, Lula caminha para ser refém dos comandantes, corroborando na prática o ressurgente papel da caserna como Poder Moderador.

Para complicar a situação, as Forças Armadas — inclusive seu Alto-Comando — parecem ter sido capturadas pela extrema direita brasileira. A bolsonarização de oficiais é fato consumado expresso, por exemplo, na adesão da ativa a uma carta golpista apócrifa. Embora o Exército tenha sinalizado punir aqueles que violaram seu papel institucional, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas escreveu em nota, numa rede social, que "nossa força, em algum momento, pode ser instada a agir", no que soa uma clara ameaça de golpe naquilo que ele mesmo definiu como "momento extremo que a nação atravessa".

Um golpe colocaria o Brasil em situação de isolamento internacional, pelo menos na América Latina e no Ocidente. Isso não deve, porém, estar no radar de quem, capturado pela extrema direita, ainda acredita ser necessário combater o comunismo. Nesse sentido, não é ruim a ideia do PT, proposta em 2016, de atualizar o currículo das escolas militares.

Comandantes, o tempo passou na janela e apenas vocês e os patriotas de caminhão não viram. Ainda assim, é necessário reconhecer que vosso anacronismo e ignorância das teorias políticas e sociais contemporâneas nos assombra. Lula e Alckmin subirão, sim, a rampa, muito embora mal acompanhados pelos fantasmas do corpo insepulto chamado golpismo militar.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.