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Lula deixa COP sem pautar racismo ambiental e desigualdade tecnológica

17.nov.22 - Presidente eleito Lula participa de reunião na COP 27 em Sharm el-Sheik, Egito - MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS
17.nov.22 - Presidente eleito Lula participa de reunião na COP 27 em Sharm el-Sheik, Egito Imagem: MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS

Colunista do UOL

18/11/2022 11h17

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atraiu todos os holofotes da COP 27, no Egito, ao deixar claro que, em seu governo, o Brasil recolocará sua diplomacia no eixo do multilateralismo, sem o qual qualquer estratégia diplomática para combater o aquecimento global redunda em mera retórica.

Porém, dois silêncios ensurdecedores ecoam de uma leitura detalhada do discurso de Lula: não há nele referência alguma à questão racial ampla em mudanças climáticas, que enfoca a vulnerabilidade maior de não brancos perante os desdobramentos do aquecimento global, nem a demanda por transferência de tecnologia dos países ricos para os pobres de modo a reduzir as emissões de poluentes.

A primeira questão tentou ser corrigida pelo presidente eleito em encontro na quinta-feira com lideranças da sociedade civil, inclusive jovens das periferias das grandes cidades. Porém, nos relatos da imprensa, a reunião não abordou um conceito-chave na discussão: racismo ambiental.

Ao lado dos povos originários, pretos e pardos no Brasil tendem a estar mais expostos do que a média da população branca aos efeitos da poluição atmosférica e aquática. Isso porque estão em maior número nas periferias das grandes cidades, em comunidades muitas vezes localizadas proximamente a áreas degradadas, inclusive lixões, geralmente sem esgoto tratado e até mesmo água potável.

Portanto, o foco nos chamados povos originários, embora assaz importante, não basta para enfrentar os efeitos deletérios das mudanças climáticas sobre os mais vulneráveis. Depois dos anos de motosserra liberada na Amazônia sob o governo Jair Bolsonaro (PL), nada mais lógico do que priorizar a preservação da floresta e das populações que nela residem.

No entanto, os efeitos do desflorestamento fazem-se sentir nas grandes cidades do Centro-Sul, onde a desigualdade racial é gritante. Por exemplo, é provável que as doenças infecciosas decorrentes do avanço humano sobre biomas afete mais minorias raciais além dos indígenas, em virtude de serem populações expostas a maior vulnerabilidade social e efeitos do racismo institucional, como na limitação no acesso a serviços de saúde.

Na questão tecnológica, Lula sinalizou que o Brasil está pronto para retomar a cooperação técnica com a África, em baixa desde o período da petista Dilma Rousseff (2011-2016) no poder. Porém, não basta transferirmos tecnologia para países mais pobres se os mais ricos não honrarem os compromissos estabelecidos pelo menos desde a COP 15, em 2009, quando, durante o segundo governo Lula, o Brasil consolidou seu status de potência ambiental numa coalizão com a África do Sul, a China e a Índia, denominados grupo BASIC.

O documento final da conferência enfatizou a necessidade de criar mecanismos de transferência de tecnologia para o mundo em desenvolvimento com o fim de reduzir as emissões em escala global.

Nesse sentido, será interessante ver se a diplomacia do governo Lula-Alckmin irá além da retomada da liderança do Brasil no Sul global, fazendo do Itamaraty um motor do desenvolvimento, com foco na reindustrialização do país no âmbito da economia verde. O presidente eleito, em seu discurso oficial pós-vitória, falou que não aceitará acordos comerciais que nos convertam em simples fornecedores de commodities, numa clara referência à parceria entre o Mercosul e a União Europeia. Iniciadas em 1999 e concluídas em 2019, as negociações ainda não redundaram na implementação do acordo em razão da política ambiental de Bolsonaro, repudiada pelos europeus.

Cabe a Lula renegociar o acordo em novos termos em vez de simplesmente desprezá-lo, como os arautos da política Sul-Sul tendem a recomendar. Esses termos devem incluir a realização de investimentos industriais de baixo carbono, com a transferência de tecnologia da Europa e desenvolvimento de parcerias conjuntas de pesquisa e desenvolvimento. Na volta ao Brasil, Lula passará por Portugal. Será que o presidente eleito tratará do tema na reunião com o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa?.

Sem ir além do óbvio, que é a preservação da Amazônia e os povos originários, a política ambiental de Lula já tende a ser mais avançada que a de Bolsonaro, mas ainda bastante limitada. No plano diplomático, arrogar-se o papel de transferidor de tecnologia sem reconhecer nosso atraso diante de outros centros em mecanismos de baixa emissão de carbono pode levar o Brasil a perder oportunidades para reduzir a dependência do agronegócio e suas nefastas consequências políticas domésticas e internacionais.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.