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Escândalo no MEC expõe projeto de poder de pastores

Ministro da Educação, Milton Ribeiro - Luis Fortes/Ministério da Educação
Ministro da Educação, Milton Ribeiro Imagem: Luis Fortes/Ministério da Educação

Colunista do UOL

24/03/2022 09h46

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O rei — melhor dizendo, o pastor — está nu. Não houve outra veste além dessa que o ministro da Educação Milton Ribeiro usou desde que recebeu do presidente Jair Bolsonaro (PL) a missão de chefiar a educação do país. Os fatos recentemente expostos, porém, levam qualquer um a perguntar se a intenção de colocar um religioso-professor no MEC sempre foi exatamente essa: deixar em xeque o ensino laico e abrir as portas para que fundamentalistas façam proselitismo enquanto enchem os bolsos.

A intermediação de pastores para o direcionamento de verbas da pasta não surpreende. Aqueles que chegaram ao poder propondo uma nova política — desde ex-magistrados até militares, passando pelos religiosos — sempre quiseram ser os novos "power brokers", ou seja, aqueles para os quais se paga um pedágio — seja em barras de ouro, seja em prestígio e espaços para difusão de crenças cuja única finalidade é tornar o povo escravo dessas elites ascendentes.

Interessante notar como o "império da lei" aparecia como um dos pilares do discurso bolsonarista e dos pretensos liberais que o apoiaram na última eleição. Nada mais irônico que o bolsonarismo tenha ido além de seus antecessores no poder e estabelecido impérios de verdadeiros senhores feudais, seja na visão de mundo medieval, sejam nas práticas políticas. Nunca houve projeto de nação, apenas busca por espaços para o enriquecimento individual.

Enquanto isso, ficam à míngua crianças famélicas nas escolas rurais e da periferia, enquanto o Brasil fica para trás nas inovações tecnológicas que devem ser imprescindíveis caso queiramos sobreviver ao jogo de poder duríssimo entre potências que a Guerra na Ucrânia colocou em evidência. Para que pensar no amanhã se, hoje, podemos atrair mais votos, fiéis e dividendos materiais e simbólicos com o uso do erário, não é mesmo?

"Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações", escreveu São Mateus na Bíblia. Mais que o suposto endosso de Deus para a displicência, esse versículo resume a agonia do povo brasileiro. "É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo", conclui o evangelista.

O mal nosso de cada dia não é, todavia, impune. Torna-se dentes de uma corrente que nos aprisiona cada vez mais na ignorância que, em vez de nos prender ao passado, conduz-nos a um futuro de dor e privações. A ignorância, nesse caso, não é uma bênção. É o adubo do bolsonarismo e similares.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.