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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Incapaz de crescer nas pesquisas, Ciro tornou-se vítima do próprio rancor

24.set.2022 - Ciro Gomes (PDT) no debate do SBT entre candidatos à Presidência da República - Divulgação/SBT
24.set.2022 - Ciro Gomes (PDT) no debate do SBT entre candidatos à Presidência da República Imagem: Divulgação/SBT

Colunista do UOL

25/09/2022 16h44

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* Warley Alves Gomes

À medida que as eleições se aproximam, Ciro Gomes parece estar cada vez mais distante do ex-presidente Lula, líder das pesquisas. Se no debate da Band, realizado no dia 28 de agosto, ainda sobrava espaço para algum aceno do pedetista ao petista, as últimas semanas de campanha têm mostrado uma tendência contrária.

Intensificando uma estratégia estabelecida já no início do mandato de Jair Bolsonaro, Ciro tem buscado captar os eleitores do presidente, apostando no desencanto de bolsonaristas para chegar ao segundo turno. Trata-se de um cálculo arriscado, que exige do ex-governador do Ceará algo que lhe falta em demasia: inteligência emocional.

Além disso, o pedetista tem mostrado uma má compreensão de sua própria realidade política. Entre 2014 e 2018, Ciro se fortaleceu a partir da própria base petista, que havia se decepcionado com o descalabro político-econômico do governo Dilma. Em 2018, em seu auge político, Ciro aparecia como o político mais favorável a derrotar Jair Bolsonaro no segundo turno. Não foi bem-sucedido, e o resto da história todos conhecemos.

É, entretanto, nesse intervalo entre o decorrer das eleições de 2018 e os primeiros anos do governo Bolsonaro que podemos compreender a atual posição de Ciro. Há uma lógica simples: ele deveria ter mantido os antigos eleitores do PT e não conseguiu; buscou apoio de eleitores conservadores utilizando o mesmo combustível que os movia: o rancor.

Ganhou de um lado, perdeu de outro, e não saiu do lugar. Na reta final, com parte dos brasileiros cansados da violência retórica de Jair Bolsonaro, Ciro Gomes tende a ter seu campo eleitoral esvaziado, resultado de uma campanha pelo voto útil.

Mas se uma derrocada cirista ocorrer, não se deve atribuí-la apenas ao voto útil, pois os acenos à direita do candidato, permeadas por um vocabulário compartilhado por bolsonaristas, ocupa um papel crucial. Nas últimas semanas, Ciro foi além do razoável, classificando o petismo como um "fascismo de esquerda".

Ao que pesem as estratégias petistas de ataque e difamação a ex-aliados — como foi o caso da antiética e repulsiva campanha contra Marina Silva em 2014, e como tem sido o caso dos ataques feitos ao próprio Ciro desde 2014 —, Ciro sabe bem, ou deveria saber, que o fascismo, essencialmente, se localiza à direita do espectro político, e não poderia ser de outra maneira.

Mas a ideia de "fascismo de esquerda" não só se aproveita de um falso argumento mobilizado pelos bolsonaristas, como também é parte da estratégia de Ciro, que tem buscado igualar Lula a Bolsonaro.

Ao fazê-lo, Ciro se aproveita de um certo imaginário liberal que vê tanto em Lula como em Bolsonaro a imagem de "salvadores da pátria", "dois lados da mesma moeda". De certa forma, o apoio popular que se observa em relação aos dois candidatos, bem como suas posturas diante dos eleitores, os coloca dentro da noção arquetípica do "herói", tal como elaborada pelo psiquiatra Carl Gustav Jung. O arquétipo do herói seria uma representação consciente de um homem poderoso, excepcional, que vence o "mal" e livra seu povo da destruição e da morte.

Tanto Lula quanto Bolsonaro, cada um a seu modo e para públicos diferentes, representam esse papel arquetípico e é a partir disso que surgem equiparações como as feitas por Ciro e outros opositores dos dois candidatos. No entanto, essa comparação é falseada por um esquecimento ou mesmo por uma distorção consciente: o processo de identificação entre os candidatos e seus respectivos públicos se dá por símbolos diferentes. Trocando em miúdos, o que Lula representa para os petistas não é, em nada, semelhante ao que Bolsonaro representa para os bolsonaristas.

Se Lula se projeta como um "salvador da pátria", o único capaz de salvar o Brasil da destruição bolsonarista ?, seus símbolos não são os da violência e da eliminação do "inimigo", como no caso de Bolsonaro, que se projeta, inversamente, como o único capaz de salvar o país da "derrocada comunista" — uma mentira repetida em diversos momentos da história brasileira.

Ao equiparar Lula a Bolsonaro, o que o candidato Ciro faz é, exatamente, a mesma coisa que seus oponentes: busca projetar a repetitiva imagem do herói, como aquele capaz de "reconciliar o Brasil". Porém, incapaz de ampliar sua identificação com os eleitores, não decolou nas intenções de voto e começou a enfrentar resistências de seus próprios aliados, que passaram a declarar apoio a Lula.

Demasiado orgulhoso para reconhecer e reavaliar os próprios erros de campanha, a uma semana do primeiro turno, vemos um Ciro Gomes cada vez mais solitário, com forte tendência a desidratar até o próximo fim de semana. Se confirmada, uma derrota retumbante mostrará ao pedetista que seu maior inimigo nunca foi o petismo, mas seu próprio rancor.

* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.