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Com Meloni na Itália, bolsonarismo ganha aliado internacional de peso

26.set.22 - Líder dos Irmãos da Itália Giorgia Meloni reage na sede da noite eleitoral do partido, em Roma, Itália - GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS
26.set.22 - Líder dos Irmãos da Itália Giorgia Meloni reage na sede da noite eleitoral do partido, em Roma, Itália Imagem: GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS

Colunista do UOL

26/09/2022 10h09

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Ultradireita, extrema direita, fascismo, pós-fascismo. Não importa o rótulo, após pouco mais de três quartos de século desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os descendentes ideológicos de Benito Mussolini voltarão ao poder na Itália.

A vitória do partido Fratelli d'Italia (em tradução literal, Irmãos da Itália) e seus aliados nas eleições do último domingo (25) representa a quebra de um tabu e dá ao bolsonarismo um aliado que pode ser crucial à sua sobrevivência política, ainda mais se confirmada no próximo domingo a vitória de Lula no primeiro turno na corrida presidencial brasileira.

Desde o término do maior conflito armado da história, nenhuma das três grandes economias da Europa Continental tinha sucumbido a herdeiros do fascismo. A mais próxima a enfrentar o espectro do totalitarismo de direita no poder após a consolidação da democracia liberal, imposta pelos aliados vitoriosos na Segunda Guerra, tinha sido a França, que em 2002, 2017 e 2022 contou com um representante da Frente Nacional, atual Rassemblement National (União Nacional, em tradução livre), no segundo turno de suas eleições presidenciais. Na Alemanha, a ultradireitista AfD está muito longe de liderar maiorias no parlamento.

Giorgia Meloni, a líder dos Irmãos da Itália, deve tornar-se a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra no país ao ser convidada a formar um governo de coalizão, o que, à primeira vista, poderia diluir seus ímpetos xenófobos. No entanto, o principal parceiro de Meloni no governo deverá ser a Lega Nord (Liga Norte), de Matteo Salvini, amigo do bolsonarismo.

Fecha o círculo de principais apoios a Meloni o Forza Italia, do ex-primeiro ministro e populista de direita Silvio Berlusconi, que relativizou o papel de Vladmir Putin em provocar a guerra da Ucrânia.

Para Steve Bannon, ex-presidiário que conferiu verniz neofascista a Donald Trump e também próximo à família Bolsonaro, Meloni será como a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, primeira mulher a ocupar o cargo no Reino Unido: enfrentará grande oposição, mas acabará por prevalecer. A líder dos Fratelli, porém, não chega ao poder em meio a uma onda liberalizante tal como ocorreu com Thatcher em 1979. Para sair do papel, suas políticas pró-negócios vão depender de forte ação estatal e enfrentar um potencial aumento da instabilidade macroeconômica.

Para além das fronteiras italianas, a ascensão de Meloni ao poder não deve causar grande impacto na União Europeia, haja vista que seu partido não é favorável à saída da Itália do bloco, defendendo apenas que a integração entre os países-membros evolua de modo pontual. Isso contrasta com a postura de Salvini, mais crítica a Bruxelas, o que, portanto, pode colocar a líder dos Fratelli em situação periclitante, sujeita a perder o poder em breve.

Fora da Europa, a corrente antiglobalista de Bannon volta a comandar uma economia desenvolvida, o que só havia ocorrido com Trump na Casa Branca entre 2017 e 2021. Enquanto o governo Meloni durar e se o americano não voltar à presidência em 2024, a Itália será, portanto, a referência dos que curtem cinquenta tons de fascismo.

Confirmadas as pesquisas, bolsonaristas estarão à procura de um rumo a partir de 3 de outubro. Mais que Hungria e Polônia, até ontem os destaques principais de ultradireita no mundo e, mais especificamente, na Europa, a Itália passa a ser o grande anteparo do bolsonarismo em sua provável articulação para retomar o poder em 2026, ou antes, caso optem por métodos antidemocráticos para enfrentar a nova era lulista que se anuncia.

Meloni, aliás, tem o que aprender com o presidente Jair Bolsonaro (PL). Mais do que Trump, que ainda enfrenta a resistência de republicanos-raiz, o brasileiro que fala em "Deus, Pátria, Família e Liberdade" representa o maior exemplo de normalização do fascismo pela dita centro-direita.

Nomes desse segmento político no Brasil, como o governador de São Paulo e candidato à reeleição Rodrigo Garcia (PSDB), seu antecessor João Doria (PSDB) e a queridinha da terceira via Simone Tebet (PMDB), apoiaram Bolsonaro em 2018 não obstante sua ficha corrida de mau militar, pretenso terrorista e nulidade congressual por 28 anos.

Aos amigos que invejam o primeiro mundo, resta o consolo de estarmos prestes a expulsar do poder os "irmãos" brasileiros enquanto a onda de ultradireita na Europa pode estar apenas no começo. Tchau, querido! Enquanto isso, no seio da chamada civilização, emergem os mais claros sinais da barbárie que a nova era nacionalista esboça sem quaisquer pudores.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.