Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Pra onde escoam os vídeos mais toscos excluídos do YouTube?
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Rumble e Bitchute. É para essas duas plataformas - ambas em franca expansão em todo o mundo - que vídeos excluídos pelo YouTube no Brasil estão escoando.
Nesses dois espaços, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) ainda exalta a ditadura militar e ameaça ministros do Supremo Tribunal Federal, colhendo elogios e hashtags. Nessas duas plataformas, é fácil achar versões completas e legendadas em português dos documentários Plandemic I e II, famosos por desinformar sobre a pandemia. E também é nessas duas redes que o brasileiro consegue rever o presidente Jair Bolsonaro engolindo um suposto comprimido de cloroquina, e o jornalista Alexandre Garcia defendendo o uso desse medicamento anti-malária como "tratamento precoce" para Covid-19.
O problema, no entanto, não para por aí.
Levantamento feito nesta semana pelo Monitor de WhatsApp da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que links que remetem ao Rumble e ao Bitchute já circulam - em português - pelo WhatsApp. O aplicativo de mensagens do Facebook é considerado por quase 80% dos brasileiros a principal fonte de informação diária.
Entre março de 2020 e março de 2021, pelo menos 529 links originários dessas duas novas plataformas apareceram nos 516 grupos abertos monitorados de forma constante pela equipe da UFMG.
E o tom das conversas que empacotam essas URLs indica que o número pode crescer exponencialmente em breve. De acordo com o estudo do Monitor, são convites explícitos à migração de plataformas, baseando-se no entendimento (muito questionável) de que o YouTube pratica censura de forma autoritária e sem supervisão.
"Vimos mensagens com frases como 'Se você ainda está no FoiceBook e no Twitter e vive reclamando da censura e da tirania desses monstros da tecnologia (...) você é parte do problema. Comece a mudar agora para os navegadores alternativos, plataformas de vídeo, mídias sociais alternativos e ferramentas de buscas'. Seguido de um link para o Rumble e do Bitchute", conta o professor Fabrício Benevenuto, responsável pelo estudo.
Outro levantamento, feito pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (G-Popai/USP), mostra a presença do Rumble e do Bitchute no próprio Youtube. Análise dos 500 maiores canais de política da plataforma no Brasil indica uma alta no número de comentários que incluem links para Rumble e Bitchute. Em fevereiro, foram 23 registros. Em março, 30. Em abril, o total dobrou, chegando a 60.
De bichos à fraude eleitoral
O Rumbler nasceu em Toronto, no Canadá. Foi criado pelo empresário Chris Pavlovski e pulou de 1,6 milhão de usuários em novembro do ano passado para 31 milhões de usuários ao fim do primeiro trimestre de 2021. O português é a segunda língua mais falada na plataforma, com cerca de 14% dos usuários.
Uma análise de conteúdo mostra que, entre 1º e 30 de abril de 2020, o Rumble era um espaço em que vídeos de leões, papagaios e bichos de estimação faziam sucesso. Eram cerca de 120 novos links a cada 30 dias com pouco menos de 780 engajamentos nas redes sociais.
Um ano depois, levantando de forma agressiva a bandeira da não-moderação de conteúdos na internet, o Rumble registrou 27,4 mil novos links só em abril de 2021 - e eles tiveram mais de 3,9 milhões de engajamentos nas outras redes.
Os vídeos de animais (mesmo que exóticos) foram substituídos por temas como "deep state", "censura", "mídia tradicional" e "big techs". O vídeo mais visto do mês passado jogava dúvidas sobre a lisura da eleição americana, ocorrida em novembro de 2020.
O feed do Rumble é cronológico, semelhante ao do Twitter. Pretende dispensar algoritmos e lutar por espaço nos buscadores do mundo. Em janeiro, a plataforma entrou com uma ação contra o Google alegando que o buscador manipula buscas de forma a priorizar os vídeos do YouTube e a esconder o Rumble. A nova plataforma pede um ressarcimento de US$ 2 bilhões.
"Estamos criando um ecossistema justo para todos, independente de a pessoa ser de esquerda ou de direita", disse Pavlovski numa entrevista recente à Fox Business.
Banido do PayPal
O Bitchute é mais jovem e mais radical. Foi criado em 2017, na Inglaterra, pelo empresário Ray Vahey e permite que seus usuários recebam "gorjetas" das pessoas que visitam seus canais.
Entre 1º e 30 de abril de 2020, o Bitchute era um espaço para falar da "mídia tradicional", criticar "Bill Gates" e atacar a "Organização Mundial da Saúde (OMS)". O vídeo mais visto naquele mês misturava leituras bíblicas com criptomoedas, numa salada quase inimaginável que alardeava o fim do mundo.
Um ano depois, entre 1º e 30 de abril de 2021, a postagem mais vista incitava as pessoas a abandonarem as máscaras, dizendo que elas estavam sendo enganadas pelos "inimigos da América".
Em sua curta história, o Bitchute já coleciona banimentos importantes. Por incitar ódio, amplificar teorias da conspiração e oxigenar conteúdos desinformativos, já foi expulso de plataformas de pagamento, como PayPal, e de sistemas de crowdfunding, como IndieGogo.
Na tarde de ontem (5), um vídeo de mais de oito minutos defendia que o comediante Paulo Gustavo, morto de Covid-19, era "a mais nova Marielle Franco" (numa referência crítica à vereadora do PSOL morta a tiros no Rio de Janeiro). Respingava ódio contra o artista vítima da pandemia e reproduzia dados falsos sobre a cloroquina.
Apesar de tudo isso, talvez você considere que ainda é cedo para começar a vigiar esses dos espaços. Então aqui vão mais alguns dados. O Alexa Rank, sistema que calcula a popularidade de um site levando em consideração a média diária de visitantes e o total de pageviews que ele registrou nos últimos três meses, mostra que o Rumble e o Bitchute já são mais populares que o Gab e o Parler.
No início deste mês de maio, o Rumble ocupava a posição 1.067 no ranking mundial do Alexa. O Bitchute, a 1.547. O Gab aparecia em 1.994 e o Parler, num longínquo 3.533. É bom, portanto, prestar atenção.
Cristina Tardáguila é fundadora da Agência Lupa e colunista da Fundação Gabo (Colômbia) e Univision (EUA).
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