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Cristina Tardáguila

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Discursos contraditórios aproximam Moro, Bolsonaro e PT

Sergio Moro discursa ao oficializar sua filiação ao Podemos em cerimônia em Brasília - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Sergio Moro discursa ao oficializar sua filiação ao Podemos em cerimônia em Brasília Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/11/2021 10h17

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Não é à toa que os fact-checkers monitoraram de perto o discurso dos poderosos. É assim que conseguem identificar com prontidão as mentiras mais descaradas e as 'certezas mutantes' que abalam o país. E, nos últimos dias, os brasileiros assistiram a pelo menos três momentos de puro oportunismo político - de flagrantes "viradas de casaca". Todos eles relacionados à campanha de 2022.

Com o cinismo na ponta da língua, o ex-juiz Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro, e o Partido dos Trabalhadores subiram no palco e deram um show. A nós, eleitores, sobrou o desafio de navegar tanta cara-de-pau, imaginando que outras verdades imutáveis no passado estão sendo - digamos - "atualizadas" em favor da campanha do ano que vem.

É preciso paciência.

"Chega de corrupção. Chega de mensalão. Chega de petrolão e de rachadinha. Chega de orçamento secreto", disse Moro, na quarta-feira, ao celebrar, agarrado num microfone, sua filiação ao Podemos.

A festa para o ex-magistrado era grande, e os correligionários filmaram-no compulsivamente, certos de que Moro disputará o Palácio do Planalto no ano que vem.

Entre 2016 e 2018, no entanto, o cenário era outro. O então juiz se dizia completamente avesso à política nacional. Segundo levantamento feito pela Agência Lupa quando Moro virou Ministro da Justiça de Bolsonaro, ele já tinha afirmado essa posição publicamente pelo menos sete vezes.

Após festa desta quarta-feira, a Folha atualizou o levantamento dos checadores e encontrou exemplos ainda mais recentes de Moro rechaçando a política. Em junho deste ano, por exemplo, ao ser questionado sobre se sonhava ser presidente, ele foi taxativo: "Não existe nada disso".

Mas aqui estamos. Só aguardando o anúncio oficial de sua candidatura. O slogan, ao que tudo indica, vai ter uma lista de "chegas" e de "bastas", exatamente como enunciado no evento do Podemos.

Moro não é, porém, a única metamorfose ambulante.

Em busca de um partido para disputar a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro também foi flagrado se desdizendo nos últimos dias. Se na segunda-feira ele estava "99% fechado" com o PL de Valdemar Costa Neto para se filiar à sigla, em 2018 o nome do mensaleiro causava-lhe arrepios. Nos tempos em que Bolsonaro se posicionava como um homem que lutaria contra todo e qualquer tipo de corrupção, Costa Neto não era nem mesmo considerado um possível interlocutor - e vídeos da época mostram isso.

"O Valdemar Costa Neto, já foi condenado no mensalão, está citado, citado não, está bastante avançada a citação dele no tocante à Lava-Jato. Eu converso com o Magno Malta (do PL) (...) Temos muita coisa em comum e minha negociação (sobre uma possível chapa presidencial composta com o PL) é com ele. Não haverá da minha parte qualquer negociação com presidente de partido, seja quem for, visando cargos no futuro. Isso não existe", disse Bolsonaro há três anos.

Mas o atual presidente da República telefonou para Costa Neto para acertar sua entrada na sigla, e o PL informou que a filiação dele ao partido está agendada para o dia 22 de novembro.

O eleitor antenado só enxerga oportunismo.

E, como contradições não são exclusividade da extrema direita ou do centro, vale destacar o caso PT-Nicarágua. O vaivém é tão cínico como risível.

Na segunda-feira, quem visitava o site da sigla encontrava um texto curto, assinado pelo secretário de Relações Internacionais do PT, Romenio Pereira, saudando às eleições nicaraguenses.

Na nota, o PT classificava o pleito ocorrido no último domingo como "uma grande manifestação popular e democrática" e afirmava que a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo confirmavam "o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário".

A eleição da Nicarágua teve 81% de abstenção e só se deu depois da prisão de sete candidatos. De democrática e popular, não teve nada.

Assim, 48 horas depois da nota de Pereira, o PT resolveu se desdizer - mas só o fez em parte. Na quarta-feira, a sigla publicou uma segunda nota, amplificando um tuíte em que a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, dizia que a declaração anteriormente divulgada sobre as eleições na Nicarágua não havia sido submetida à direção partidária.

Gleisi ficou no meio do caminho. Não criticou nem denunciou a farsa eleitoral vista na América Central. Disse que a prioridade da legenda "é debater o Brasil com o povo brasileiro".

Aos olhos daqueles que se dedicam a observar de perto esse tipo de vaivém, ficou estranho o fato de a nota original de Pereira não ter sofrido qualquer alteração. Nem mesmo um link para o texto de Gleisi foi inserido.

Resultado: hoje em dia, as duas URLs circulam por redes sociais e aplicativos de mensagem alimentando aquilo que o Brasil tem de pior: narrativas contraditórias, opostas e paradoxais.


Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa