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Por 'liberdade' no Twitter, Musk peita a UE ou será atropelado por ela?
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Dois anúncios - com conteúdos diametralmente opostos - incendiaram, nesta semana, a conversa sobre o futuro da moderação de conteúdos online e da luta contra a desinformação. Pouca gente, no entanto, percebeu que, se uma das novidades efetivamente vingar, a outra dificilmente sairá do papel (pelo menos em uma boa parte do planeta).
Na segunda-feira (26), o empresário Elon Musk tirou 44 bilhões de dólares do bolso e comprou o Twitter. Em seguida, anunciou que atacará os robôs que habitam sua plataforma, tornará público o algoritmo da rede e transformará o Twitter num espaço de plena "liberdade de expressão", numa espécie de "praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade". Para bom entendedor, a mensagem foi clara: Musk quer reduzir - ou zerar - qualquer tipo de moderação de conteúdo. Aí entram as (poucas) etiquetas que costumam indicar como informação de baixa qualidade tuítes que, por exemplo, atacam a eficácia das vacinas contra a covid-19, que colocam em xeque o processo eleitoral e que negam a existência de mudanças climáticas.
Dois dias antes da novidade de Musk, no entanto, o Parlamento Europeu e os estados-membros da União Europeia informaram - com certa pompa e circunstância - que haviam chegado a um acordo sobre o Digital Service Act, legislação que vem sendo moldada desde 2020 e que, entre outros pontos, pretende forçar os gigantes da tecnologia (entre eles o Twitter) a policiar de forma ainda mais rigorosa os conteúdos de baixa qualidade que por elas trafegam. Na lista, entra a desinformação. E, quem não fizer um monitoramento de perto desses problemas estará sujeito a multas multimilionárias.
De longe, as duas notícias representam setas em sentidos opostos, e colocam pesquisadores, acadêmicos e fact-checkers em estado de alerta. Afinal, a moderação de conteúdo vai aumentar ou diminuir no Twitter? As big techs vão ter que investir mais ou menos em equipes capazes de moderar conteúdo? E como isso impacta na proliferação de conteúdos enganosos?
É claro - e evidente - que o Digital Service Act está sendo moldado e, se aprovado, deverá cobrir, a princípio, apenas o território europeu. Mas a sede por uma legislação mais agressiva frente às "fake news" e as big techs - observada também no Brasil - é um indicativo de que, quando pronto, o trabalho da UE poderá ser copiado e reutilizado em outras partes do mundo com certa rapidez, jogando o debate sobre moderação de volta para a escala global.
Assim sendo, num dos possíveis cenários de futuro, as gigantes da tecnologia terão não só que desenhar, mas também implementar processos claros para identificar e deletar postagens que contenham discurso de ódio, incitação ao terrorismo, falsidades e pedofilia. Elas também poderão ser obrigadas a controlar a venda (ou revenda) de produtos ilegais, refletindo no universo digital o que já é proibido no mundo offline.
E, como ficaria Elon Musk, auto-intitulado "absolutista da liberdade de expressão" nesse cenário? Peitaria a Europa ou abriria mão de um mercado de mais de 440 milhões de indivíduos?
E, se o Digital Service Act se multiplicasse mundo afora, Musk recuaria em seu posicionamento ideológico e político para garantir a prosperidade (e a legalidade) de seu investimento no Twitter?
No outro cenário possível, o oposto se dá. O Digital Service Act fracassa, e a proposta de Musk ganha adeptos em outras redes sociais. Como seria uma internet com níveis mínimos de moderação?
Levantamento feito pela The Economist nesta semana mostra que, sob a gestão de Jack Dorsey, o Twitter se alinhava com o espírito europeu: ampliava sua interferência no uso de seu espaço. No primeiro semestre de 2021, a plataforma removeu 5,9 milhões de tuítes e suspendeu 1,2 milhão de contas que infringiam suas políticas de uso. Dois anos antes haviam sido 1,9 milhão de tuítes e 700 mil perfis apagados.
Com Musk na cadeira de CEO, porém, a empresa dá uma guinada e parece ignorar os ventos vindos da União Europeia.
Já estão abertas as bancas de apostas. Quem vence essa queda de braço digital? Quem é mais rápido e mais forte na implementação de sua proposta? E, acima de tudo, qual dos dois caminhos é o mais popular, o mais querido: o do milionário que prega uma espécie de vale-tudo ou o dos políticos que querem vigiar e punir?
Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa
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