Topo

Cristina Tardáguila

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deputados federais do PL-SP mantêm 'demônios de Michelle' na boca do povo

Presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em culto evangélico - Reprodução
Presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em culto evangélico Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

12/08/2022 11h03

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os demônios invocados pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no último domingo (7), correm à solta nas redes sociais há quase uma semana. E o fazem graças ao apoio - explícito e talvez coordenado - da bancada do Partido Liberal de São Paulo com parte da mídia bolsonarista.

Monitoramento de postagens feitas no Twitter e YouTube por acadêmicos da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) entre domingo e quinta-feira (11) mostra que foram Marcos Feliciano, Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli os principais responsáveis por manter o demônio na boca do povo. Não fossem eles, a primeira grande teoria conspiratória da eleição deste ano não teria viralizado tanto.

Ao lado de um Jair Bolsonaro choroso, Michelle disse no domingo passado, em Belo Horizonte, que, antes de seu marido ocupar o Palácio do Planalto, o local era "consagrado a demônios". No palco do culto de que participou, ela afirmou que o Brasil vive uma "guerra do bem contra o mal" e destacou que acredita que seu marido vencerá essa batalha "porque Jesus já venceu na cruz do calvário".

Feliciano, Eduardo e Zambelli concordaram - e foram às redes sociais para dar vazão ao devaneio da primeira-dama. Em dois dias, fizeram cinco tuítes e agora respondem por nada menos do que um terço das conversas travadas sobre esse assunto nas redes sociais.

Eduardo disse que a presidência era "um lugar endemoniado", agora ocupado por "adoradores de Deus". Zambelli pediu que os brasileiros "escutassem as palavras" da primeira-dama, refletindo sobre "a qual senhor seu representante serve". Feliciano condenou quem criticava a alucinação de Michelle. Jogou Lula na umbanda como se isso fosse negativo e falou de "liberdade religiosa seletiva". Disse que a mídia é asquerosa.

Mas quem amplificou a teoria da conspiração de Michelle no YouTube foi mesmo a mídia - politicamente posicionada. O programa Morning Show, da Jovem Pan, dedicou ao menos 19 minutos ao caso. Reprisou vídeos, expôs tuítes dos parlamentares já citados e convidou comentaristas para debater o assunto. Entre eles estava Paulo Figueiredo, que divulgou sua participação no programa em suas próprias redes sociais e reafirmou que, na política brasileira, há atos de satanismo. Sim: satanismo.

Resultado: essa maluquice dos demônios já deu à Jovem Pan mais de 100 mil visualizações em apenas 24 horas.

O mais chato, no entanto, é ver que quem passeia pelos comentários deixados tanto no YouTube quanto no Twitter não encontra sinais da contundente resposta dada pela Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz.

Não fica sabendo que, para a entidade, Michelle fez uso de "um maniqueísmo fundamentalista e perigoso, característico de regimes fascistas". Também não lê o alerta de que a mistura de religião com política já foi uma estratégia historicamente usada para promover mortes, que é capaz de "fomentar a desagregação da sociedade" e de "colocar em risco a luta internacional de mais de um século por diálogo e cooperação inter-religiosa e ecumênica". Não vê tampouco que há um pedido de retratação da frente religiosa a Michelle. Até agora ignorado.

Se a primeira-dama for esperta mesmo, aproveita essa chance para se reconciliar com os fiéis de todas as crenças e ainda desmanchar a primeira grande peça desinformativa dessa eleição. Sairia bem não só junto aos religiosos - das mais diversas crenças -, mas também com os checadores. De quebra ainda poderia conseguir votos para Jair.

Cristina Tardáguila é diretora sênior do ICFJ e fundadora da Lupa