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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O desafio de Moro e Leite contra Lula e Bolsonaro

Colunista do UOL

22/10/2021 14h45

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Comentei no Twitter em 15 de agosto de 2020: "Para o lulismo bolsonarista ser completo, só falta fazer campanha dizendo que, em caso de vitória adversária, não vai ter Bolsa Família (ou Renda Brasil), nem comida na mesa."

Agora, 14 meses depois, o Estadão mostra que Valdemar Costa Neto (PL) e o atual ministro Ciro Nogueira (PP) confirmam a tese, ainda que o achaque possa ficar subentendido na campanha de 2022. Eles "deixaram claro que a capacidade eleitoral de Bolsonaro e dos demais governistas depende em larga escala dos R$ 400/mês do Auxílio Brasil", o novo nome do programa federal de transferência de renda. "Com a expertise adquirida nos anos do PT, explicaram para Bolsonaro como iniciativas desse tipo se revertem em votos e deram dica preciosa: é melhor o benefício ser temporário para o eleitor condicionar a renovação à vitória do governo."

O relator da Medida Provisória do Auxílio Brasil na Câmara, deputado federal Marcelo Aro, traduziu o desenho eleitoreiro: "Ele não está dando um presente, está emprestando até ganhar a eleição. Se o governo estivesse preocupado com a camada mais vulnerável, buscaria uma solução permanente. (O beneficiário) vai chegar em outubro de 2022 felizão com o presidente. Deu dezembro, 'amigão, agora você volta a receber os R$ 189'. E aí?" E aí que Aro disse ao UOL: "Isso é iludir essas pessoas. Elas vão ter uma sensação de melhoria na qualidade de vida, mas na frente elas vão regredir."

Iludir pessoas de baixa renda para permanecer no poder, turbinando temporariamente o repasse dos impostos pagos pelo restante do povo, é bolsopetismo puro; ou o diabo na hora da eleição, como falava a praticante Dilma Rousseff. Aumentar impostos, em vez de cortar privilégios, emendas e fundos políticos, também; assim como furar o teto de gastos que Lula prometeu até revogar. A manobra do governo para driblar essa regra constitucional derrubou a Bolsa, fez disparar dólar e juros, e causou a debandada dos últimos quatro secretários liberais de Paulo Guedes, menos acomodados que o ministro no papel de avalistas do Centrão. Que a alta do dólar pese na inflação, corroendo o poder de compra das mesmas pessoas a serem supostamente beneficiadas pelo aumento do auxílio, virou uma das meras consequências da realidade a serem mascaradas por novos puxadinhos orçamentários ou pela propaganda populista.

"O que queremos é que o Bolsonaro dê um auxílio emergencial de R$ 600. 'Ah, ele vai tirar proveito disso', é problema dele", disparou Lula, já acomodado no papel de maior cabo eleitoral do atual presidente no primeiro turno, porque prefere enfrentar Bolsonaro cambaleante no segundo a conter uma eventual terceira via em ascensão. Sem dizer de onde se deve tirar o dinheiro, o ex-presidiário - assalariado com fundo partidário - joga o valor para cima e deixa o presidente correndo atrás do patamar lulista de ilusão, conflitante na realidade com o inchaço estatal consolidado e defendido pelo PT, bem como explorado em esquemas ilícitos de favorecimento e suborno.

"Preciso de um governo enxuto para ter recurso e aplicar naquilo que promova a população de baixa renda", disse Eduardo Leite a empresários, recusando-se a escolher entre ser eficiente e privatizar ou ser sensível e fazer programas sociais. "Acho, inclusive, que são complementares", ponderou o governador gaúcho. "O que populistas não entendem é que pensar o teto de gastos é pensar na população. O populismo não apenas fura o teto, ele fura o futuro, subindo inflação e juros, o que atinge renda e emprego dos pobres. O país precisa de responsabilidade fiscal para ter responsabilidade social", acrescentou Leite no Twitter.

Sergio Moro segue a mesma linha do potencial aliado na disputa pelo Palácio do Planalto: "Não há um trade off necessário entre incremento de políticas sociais e responsabilidade fiscal", escreveu. "O que se demanda é diminuir os desperdícios, realocar despesas e focar as políticas sociais no que é prioritário, além de torná-las eficientes. Não parece ser essa a estratégia do momento. Infelizmente, o risco de retrocedermos a um cenário de inflação descontrolada, normalmente acompanhada por juros altos, desemprego elevado e estagnação econômica, não pode ser negligenciado."

Para o ex-juiz, "controlar a inflação, como se fez com o Plano Real, assim como prevenir e combater a corrupção, como se fez durante a Lava Jato, são conquistas civilizatórias". "Essas ações não pertencem a governos ou a autoridades públicas específicas, pois só foram possíveis com amplo apoio da sociedade civil organizada e da população. Já os responsáveis pelo descontrole da inflação e pelo desmantelamento dos controles sobre a corrupção são mais facilmente identificados, já que a responsabilidade não é aqui coletiva, mas sim localizada em políticas públicas equivocadas cujos autores são nomináveis."

Esses autores nomináveis continuam tentando avançar no referido desmantelamento, como se viu na primeira derrota de Arthur Lira ao pautar a PEC da Vingança. Os demais votos vencidos a favor do aumento do controle político sobre o Ministério Público confirmaram a existência da frente ampla pela impunidade, que, como apontei na raiz em 2019, reúne o Centrão de Arthur Lira e Ricardo Barros; o velho tucanato de Aécio Neves; o bolsonarismo de Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Carlos Jordy, Marco Feliciano e Vitor Hugo; o lulismo de Paulo Teixeira, Gleisi Hoffmann, Maria do Rosário, Erika Kokay, Benedita da Silva e Zeca Dirceu, filho de José Dirceu; e linhas auxiliares, como Jandira Feghali, do PCdoB (embora o PSOL, dessa vez, tenha mantido distância do ressentimento do PT contra o MP). Todos votaram juntinhos.

O desafio de Moro e Leite contra Lula e Bolsonaro é fazer de um país conduzido com honestidade e responsabilidade fiscal rumo a soluções permanentes, sem prejuízo às iniciativas transitórias, um projeto não só percebido como viável, mas também mais cativante para a maioria dos brasileiros que as ilusões apelativas, mas insustentáveis, do populismo bolsopetista. Não são apenas 400 ou 600 reais. É matar a fome do povo, a começar pela de esperança em um Brasil mais justo.