Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro x Moro – os fatos por trás dos ataques
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Eu deveria agradecer a Jair Bolsonaro por confirmar minhas análises.
Há dois anos aponto:
- que o presidente passou a odiar Sergio Moro porque, como ministro, o ex-juiz se recusava a blindar a família Bolsonaro contra investigações de "rachadinha";
- que só não demitiu Moro em 2019 em razão da alta popularidade dele na época;
- e que, na novilíngua bolsonarista, a conivência é valorizada como "lealdade".
Bolsonaro, mesclando confissão enviesada e falso vitimismo, no estilo particular de sincericídio que volta e meia o acomete, declarou agora, em dezembro de 2021:
"Esse cara não fez absolutamente nada para que Coaf, a Receita, não bisbilhotasse não só a minha vida como a de milhares de brasileiros. Isso nos atrapalha. Você pode investigar o filho do presidente? Pode. Você pode investigar a mulher do presidente? Pode. Mas investiga legalmente, com uma alegação formal. Eu posso ser investigado, mas não dessa forma como eles fazem."
O presidente acrescentou: "Queria mandar embora lá atrás. Mas, como ele tinha prestígio grande, ficava difícil justificar."
Bolsonaro omitiu que o relatório do Coaf sobre movimentações bancárias atípicas de Fabrício Queiroz, o operador de Flávio na Alerj, veio à tona em dezembro de 2018, entre a eleição e a posse presidenciais, de modo que Moro, embora já tivesse aceitado o convite para o ministério, tampouco estava empossado.
Bolsonaro também omite que ele próprio, em setembro de 2019, demitiu o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, com quem havia se irritado, um mês antes, em razão de apurações do órgão sobre seu irmão de Miracatu-SP, Renato Antônio, que já havia aparecido na imprensa (até mesmo em grupos que depois se acertaram com o governo) como funcionário fantasma da Alesp.
Além de ter descido a borduna em Cintra durante uma reunião, acusando a Receita de perseguir sua família, o presidente havia declarado em agosto daquele ano que "fizeram uma devassa na vida financeira dos meus familiares do Vale do Ribeira".
"Vai achar alguma coisa errada? Acho que qualquer estabelecimento comercial você vai achar uma coisa errada e aí vão potencializar isso daí. Não conseguem me atingir, vão para cima de parentes meus. Uma vergonha", resmungara Bolsonaro, como se seus familiares não devessem ser alvo de apuração por coisas erradas.
Ele repetiu o resmungo na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujo vídeo foi divulgado um mês depois pelo então ministro do STF Celso de Mello no âmbito do inquérito sobre a interferência do presidente na Polícia Federal. Bolsonaro disse não querer "ver a minha irmã de Eldorado, outra de Cajati, o coitado do meu irmão capitão do Exército de lá de Miracatu se foder, porra! Como é perseguido o tempo todo."
Como expliquei na análise audiovisual "Os vídeos de Bolsonaro e a interferência na PF" - que, publicada em 23 de maio daquele ano, gerou 620 mil visualizações e a mobilização virtual bolsonarista para me atacar -, foi neste contexto de ira contra investigações sobre a sujeira familiar que o presidente, também amigo de Queiroz havia 35 anos, justificou a troca do então diretor-geral da Polícia Federal:
"Não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu."
Moro, que deixou o governo após a troca, comentou o novo sincericídio de Bolsonaro:
"Nós combatemos o crime organizado. Nós conseguimos reduzir a criminalidade violenta. Mas o presidente sabotou o combate à corrupção. Ele mesmo disse hoje que não gostava de mim porque eu não protegia lá a família dele de investigação da Receita ou do Coaf. Quando chegou o momento que ele queria que eu fizesse isso e eu não concordava, eu saí, ainda lá em 2020. Eu não vou trair os valores e princípios do povo brasileiro para atender ao presidente da República."
O ex-ministro ainda explicou que a gota d'água foi a decisão de Bolsonaro de interferir na PF: "Aí eu falei 'não, agora eu não posso ficar mais'. Agora é uma escolha entre ser alvo de ataques do grupo dele ou ser cúmplice dele. Eu prefiro ser alvo."
Esses fatos gritam, independentemente da corrida eleitoral de 2022. Eles, no entanto, não são admitidos pelos porta-vozes do sistema da corrupção e da impunidade que atuam no mercado da comunicação, nem pelos jornalistas que temem constatar a verdade se ela favorece um pré-candidato que não agrada a eles ou a seus patrões.
Nesta coluna, a verdade, confessada ou não, está acima dessas mesquinharias.
Obrigado, presidente.
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