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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na guerra, disputa pela verdade reforça o valor de órgãos independentes

8.abr.2022 - Os restos de um míssil com a expressão, em russo, "para nossos filhos" pintada são vistos no chão após um ataque a uma estação ferroviária na cidade de Kramatorsk - Anatolii Stepanov/AFP
8.abr.2022 - Os restos de um míssil com a expressão, em russo, "para nossos filhos" pintada são vistos no chão após um ataque a uma estação ferroviária na cidade de Kramatorsk Imagem: Anatolii Stepanov/AFP

Colunista do UOL

09/04/2022 11h17

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É célebre e bem difundida a afirmação de que "a primeira vítima da guerra é a verdade". Ao longo da História, nos mais diversos conflitos humanos, temos sido confrontados com disputas de narrativas e tentativas de produzir enredos que favoreçam os interesses de quem as produz. A guerra é, portanto, antes de tudo, um lugar de disputa em torno dos próprios fatos.

Estamos falando de scripts intencionalmente criados e que incluem atribuição de papéis, encadeamentos de eventos que imputam significados aos acontecimentos e certa lógica de causalidade. Os países, nesse contexto, constroem histórias sobre si mesmos e sobre os outros. Interpretações mais ou menos convincentes num dado contexto e de acordo com certos interesses.

Na Ucrânia não tem sido diferente. Desde o início da operação militar russa, diversas são as acusações mútuas. As mais recentes, envolvem o massacre de Bucha e os ataques à uma estação de trem em Kramatorsk. O governo ucraniano atribui os atos aos russos. Esses, por sua vez, alegam tratar-se de uma tentativa de incriminação indevida do Kremlin. As denúncias são graves, envolvem potenciais crimes de guerra e implicam sanções jurídicas, além de considerável ônus moral.

Teriam sido assassinatos sumários friamente perpetrados pelos russos? Seriam efeitos indesejados de erros de cálculo ou desorganização nas estruturas de comando das forças armadas? Seriam atos de auto-sabotagem perpetrados por ucranianos? Todas essas versões já se apresentaram.

Se a política internacional é sobre a construção de roteiros; na guerra, consolidar narrativas dominantes é uma arma poderosa. Como saber a verdade, portanto? O desafio, para todos nós, está em fazer justiça enquanto desviamos da "propaganda" e nos protegemos da manipulação.

Precisamente por isso é importante que existam estruturas independentes capazes de investigar e monitorar denúncias. Estruturas que vão desde organizações internacionais não governamentais de menor porte até as grandes e mais conhecidas instituições intergovernamentais.

Em tempos de conflito, é comum que se empreendam críticas aos mecanismos de governança global. Eles são, de fato, imperfeitos. Precisam de atualização urgente e são merecedores de nosso ceticismo. Apesar de seus vícios, no entanto, não podemos ignorar suas virtudes.

Em um mundo de tantas fontes de insegurança, essas instituições são as que mais contribuem para diminuir o grau de incerteza, para gerar maior transparência e para promover vínculos entre os diferentes atores.

A existência de instâncias e foros que desfrutem de alguma credibilidade, sejam identificados como "espaços seguros" e sejam providos de inteligência especializada, é o ponto de partida para que sobrevivamos às guerras. Esses órgãos precisam existir para que possamos desviar da desinformação, para que possamos investigar e punir criminosos, e para que o medo da trapaça e os dilemas de confiança não contaminem a disposição de diálogo entre os Estados.