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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na Ucrânia, unidade e longevidade da aliança ocidental podem estar em risco

24.fev.2022 - Foto mostram líderes durante uma videoconferência do G7 sobre a situação da Ucrânia  - Ludovic Marin/Pool/AFP
24.fev.2022 - Foto mostram líderes durante uma videoconferência do G7 sobre a situação da Ucrânia Imagem: Ludovic Marin/Pool/AFP

Colunista do UOL

13/04/2022 13h33Atualizada em 14/04/2022 14h01

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Há vários desafios que ainda virão pela frente quando o assunto é a Guerra da Ucrânia. Entre eles, está a unidade e a longevidade da aliança ocidental.

Embora sejam parceiros de longa data, as relações entre Europa e Estados Unidos viveram momentos de considerável instabilidade nos últimos anos. Primeiro veio o Brexit, depois veio Trump. O primeiro escancarou a força dos chamados "eurocéticos" não apenas no Reino Unido, mas também em vários países da Europa continental. O segundo, sob forte apelo nacionalista, orientou a ação internacional de seu país a partir de uma visão cética quanto aos parceiros, como G7 e G20, e insistiu na revisão de papéis dentro da própria Otan.

Nos dois casos ficou claro que o século 21 traz consigo movimentos bruscos. A polarização política na Europa faz com que seja difícil falar em agendas de longo prazo, pois as prioridades mudam de acordo com quem está no poder. Isso ganha ainda mais complexidade na medida em que verificamos o fortalecimento dos extremos do espectro e a crise dos partidos tradicionais em diversos países, como ocorre, por exemplo, em Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Itália, Suécia, Suíça, entre outros.

Em tempos de crise econômica e de imigração crescente, apelos pela restauração da autonomia monetária e do restabelecimento de fronteiras rígidas energizam parcelas significativas da sociedade europeia. Estamos falando de críticas ao modelo de integração existente e da ampliação da narrativa antiglobalização.

Assim, embora o bloco esteja se esforçando para agir em uníssono no caso da guerra no leste europeu, não se pode ignorar o impacto que as pressões domésticas têm no sentido de ameaçar esse compromisso. Aliás, é digno de nota a tomada de posição de três atores europeus em particular nos últimos dias.

Na Alemanha, o porta-voz do governo disse que o país não aprova um embargo do petróleo russo nesse momento. Isso acontece logo após terem sido divulgados estudos que sugerem que a economia do país sofreria retração da ordem de 2%, caso a medida fosse adotada.

Na França, a ida de Marine Le Pen ao segundo turno demonstra o apoio de parte dos franceses à ideia de que é preciso rever orientações da gestão Macron nessa matéria. Le Pen já defendeu publicamente o afrouxamento de sanções e disse que, se eleita, pretendia trabalhar pela aproximação entre a Otan e a Rússia. Ao longo da eleição de 2017 ela disse que "compartilhava os mesmos valores do presidente russo".

Na Hungria, por fim - país que também faz parte da aliança militar ocidental - Viktor Orbán demonstrou disposição em romper com a União Europeia ao dizer que a Hungria estaria pronta para pagar o gás russo em rublos, conforme exigência do governo Putin na tentativa de administrar os danos econômicos causados pelas sanções.
Por razões distintas, em todos os três casos temos o estabelecimento de posições que podem enfraquecer a coordenação dos aliados ocidentais. Nos três casos, quem sai ganhando é a Rússia.

Se olharmos para o lado de cá do oceano, a situação não é muito mais auspiciosa. Nos Estados Unidos, Biden se debate em uma série de problemas domésticos e será confrontado, em alguns meses, a um grande referendo popular. As eleições legislativas de novembro não apenas determinarão sua margem para governar nos próximos dois anos como também sinalizarão para as expectativas em termos do pleito presidencial de 2024. O trumpismo não é uma força política morta nos Estados Unidos e não deve ser subestimada. Ao contrário.

Se, portanto, em tão pouco tempo, houver o fortalecimento de lideranças que defendam o aumento do retorno sobre o investimento americano em relação às estruturas multilaterais, como a ONU, e em relação aos parceiros, como a União Europeia, a capacidade de resposta do Ocidente a crises como essa da Ucrânia será bastante diferente. Também poderá ser um golpe de sorte para o Kremlin.

Hoje, acompanhamos o Ocidente agindo de forma relativamente coordenada e isso parece óbvio. Não se enganem. Nos revezes das ondas políticas, o único conselho prudente é não tirar o olho de cada lance.