Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ao completar 50 dias, conflito na Ucrânia aponta para uma "guerra sem fim"
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Chegamos ao 50º dia da Guerra na Ucrânia. Um conflito cujos detalhes escandalizam e cujas perspectivas são pouco promissoras.
Ao longo desse período, acompanhamos cidades inteiras sendo devastadas, ataques contra populações inteiras, denúncias de estupros e relacionadas ao uso de armas proibidas, além de uma série de outras atrocidades.
Olhar para a guerra da Ucrânia em números é desolador. Desde o início do conflito, pelo menos 1.932 mortes de civis foram registradas, das quais 157 seriam crianças. Outras 2.589 pessoas foram reportadas como feridas. A apuração é do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que continuamente relembra sobre a possibilidade de que os números sejam ainda maiores.
O volume de pessoas se deslocando na tentativa de fugir da guerra também é digno de nota. Informações vindas do Alto Comissariado da ONU para Refugiados registram quase 5 milhões que já deixaram o país nesse período.
Do ponto de vista econômico, como resultado da invasão, o mundo todo deve enfrentar dificuldades de crescimento esse ano. No caso da Rússia, as projeções sugerem que a economia deva registrar sua maior contração desde 1994, com recuo do PIB da ordem de 10% em 2022. Para a Ucrânia, além dos óbvios impactos na geração de riqueza, haverá a necessidade de bilhões de dólares em ajuda externa para promover sua reconstrução e o reequilíbrio macroeconômico.
Enquanto a contabilidade da guerra só faz piorar, as negociações seguem empacadas. As demandas entre os lados envolvem discordâncias estruturais e resvalam na dificuldade de construir confiança mútua. Ainda que cheguem a um acordo de cessar-fogo, portanto, é improvável que a estabilidade da região se mantenha por muito tempo.
A situação da Ucrânia faz lembrar, sob diferentes aspectos, portanto, o que a professora Mary Kaldor, da London School of Economics, classificou como "inconclusive wars". A reflexão foi originalmente publicada em 2010 e em nada se relaciona ao conflito nessa região do mundo. Trata-se de uma reflexão teórica sobre a própria "razão de ser" dos conflitos no século XXI. Lido sob a ótica de 2022, o texto não poderia ser mais atual.
Segundo Kaldor, as guerras contemporâneas tendem a ser longas, duradouras e inconclusivas. Isso porque, nas novas guerras, o objetivo não é necessariamente derrubar o inimigo. Nelas, ao contrário, os atores precisam de adversários para sustentar suas próprias narrativas. A meta é criar um estado de insegurança que favoreça certos grupos específicos. São guerras, portanto, que versam sobre politics e não sobre policy.
Ainda de acordo com a visão de Kaldor, esse tipo de guerra tende a misturar players tradicionais com atores não estatais. Nelas, pausas no campo de batalha não significam o fim do conflito. São, em geral, marcadas por ataques esporádicos e usualmente envolvem violência dirigida principalmente contra civis. São guerras, nas palavras da autora, "instrumentais e racionais, ainda que não sejam razoáveis".
Nesse tipo de conflito, para além do combate direto, o enfrentamento é também e, principalmente, imaginário. Derrotar o inimigo é a justificativa, não a finalidade da guerra. Para Kaldor, as lideranças políticas, ao criarem o caos, se projetam como protetoras dos que estão sob ameaça, reforçando sua própria relevância dentro do sistema. Assim, a criação de medo e hostilidade serve para sustentar ideologias e interesses específicos. Sob essa ótica, "a tendência interna de tais guerras não é a guerra sem limites, mas a guerra sem fim".
No 50º dia da Guerra na Ucrânia esse tipo de nuance merece reflexão. O convite é: leiam Mary Kaldor. Isso também ajudará a compreender que talvez a "terceira guerra mundial", a que tantos temem, não seja como as duas anteriores.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.